Em algum momento durante as últimas 24 horas você viu um anúncio de bebida fermentada com cereais. É claro que o anúncio não chama o produto por esse nome, mas esse recurso – pense nele como um feitiço de invisibilidade – é uma parte importante da magia como vamos discutir aqui. Observe que o anúncio não tentou convencê-lo dos méritos nutricionais desse líquido borbulhante e gelado. É até difícil pensar em algum benefício lógico para uma cerveja.
O anúncio utilizou imagens a fim de despertar em você reações emocionais que, se não tem nada a ver com o produto, com certeza não são exclusivas dele. Vários outros produtos poderiam usar a mesma imagem: um grupo de pessoas jovens, atraentes, saudáveis, de acordo com o esterótipo de saudável da época, ou seja, usam pouca roupa e são sexualmente desejáveis. Eles estão se divertindo muito e seguram latas de água com fermento de cereais na praia ou num churrasco cercados de biquínis e sorrisos com clareamento.
Se eu tentasse convencê-la de que engolir o conteúdo de uma dessas latas o deixaria jovem, atraente e gostosona, você reviraria os olhos. No entanto, essa é a mensagem que os níveis profundos da sua mente absorvem e sem dizer uma palavra você se vê desejando esse mesmo contexto — embora, claro, você vai dizer, não tenha nada a ver com a propaganda. Em termos mágicos, o anúncio enfeitiçou você: isto é, causou uma mudança na sua consciência de acordo com a vontade do anunciante.
Isso funciona porque a mente racional é uma fina camada de gelo que os economistas, baseados no Racionalismo do século XVIII, inventaram para ser o “jeito certo” de decidir as coisas na vida. Tudo que foge a esse padrão é considerado “irracional”. Como a ideia de que se você tomar uma pílula com açúcar em vez de um medicamento científico e, por força da crença no tratamento, se curar, seja “placebo”, uma ação que não deveria causar um efeito, mas que causou pela força do pensamento mágico.
Basta perfurar um pouquinho essa camada para que você veja pular para fora todo o nosso passado biológico, pagão e mágico que a maioria das pessoas nas sociedades industriais gosta de fingir que superou.
A exposição repetida a um feitiço – isto é, um conjunto de imagens e palavras carregadas de emoção, projetadas de acordo com as regras da magia – crava na sua mente uma associação vaga entre o produto e os seus desejos. A menos que você esteja ciente do efeito e se esforce para não ser encantado, as imagens o afetam, e você pega aquela lata de água fermentada com cereais, mesmo sabendo perfeitamente que a única coisa que você obterá com isso do ponto de vista científico seja uma barriga.
Por quê?
2. Magia, Desejo e Propaganda
Em 1984, no seu sublime Eros and Magic in the Renaissance1, Ioan Couliano salientou que a maioria dos países do mundo industrial tinha trocado as botas de couro e os uniformes de sarja pelo controle social mais sutil que a magia permite. As nações industrializadas do mundo, argumentou ele, eram “Estados mágicos” nos quais a maioria das pessoas é mantida privada de direitos e passiva por imagens manipuladoras e slogans projetados pelos meios de comunicação de massa. O cinema por décadas criou em nós um ódio justo mas limitado contra os militares, mas nos deixou indefesos diante da propaganda da TV e agora das redes sociais. Você já pega seu spray de pimenta caso alguém de farda te obrigue a fazer algo, mas aceita como um carneirinho quando alguém diz que se você ama a sua família, deve fazer o seu curso ou morrer como um péssimo pai.
A propaganda tem então muito a ver com um negócio desagradável para os nossos ouvidos científicos: a magia. Não pense por favor em vassosuras e varinhas. É como confundir ilusionismo com física. Magia é a arte e a ciência de causar mudanças na consciência de acordo com a vontade, segundo Dion Fortune. Ela não significa soltar poder pelas mãos ou levitar objetos — embora eu possa apontar algumas dezenas de casos em que isso aconteceu, vamos nos limitar aqui a essa magia menos druídica e mais engravatada. Ela não afeta diretamente a matéria e não pode ser usada para contrariar as leis da natureza. Contudo, dentro desses limites, ela pode realizar coisas surpreendentes, como convencer as pessoas comerem óleos vegetais.
Se você examinar sua própria experiência, descobrirá que apenas uma pequena parte dela depende das realidades materiais. Essa é a base do argumento de que “o dinheiro não traz felicidade”, pois a posse material pode ou não trazer alguma satisfação psicológica. Todos nós já passamos pela situação de comprarmos um produto que jurávamos que era o último que faltava só para nos vermos insatisfeitos no dia seguinte, sonhando com um outro objeto, ainda mais interessante. O desejo não descansa.
A maior parte da satisfação na vida depende do que você percebe, sente e pensa sobre essa realidades sociais, psicológicas e sociais. Você pode não aumentar a velocidade do ônibus com o poder da mente, mas pode alterar a percepção do tempo usando o seu celular para estar em outro lugar. Você não pode interromper o processo de envelhecimento, mas pode dar um novo sentido à maturidade. Você pode não ficar rico, mas pode perceber sua condição atual como uma bênção. E por aí vai.
Enquanto esse elementos da realidade material são a matéria-prima da magia, as as suas ferrametnas são a vontade e a imaginação, cujo poder pode vir de muitas fontes, das quais a emoção humana é geralmente a mais fácil de usar. As formas que lhe dão direção e efeito são chamadas de símbolos e ações simbólicas. Um símbolo pode ser o crucifixo na sua parede e uma ação simbólica se ajoelhar para rezar.
Aqui, o princípio básico pode ser declarado de forma bastante simples: um símbolo mantido em uma mente, carregado de vontade e desejo, pode afetar outra mente, mesmo quando não há uma maneira óbvia de o efeito ocorrer. Podemos explicar mais ou menos como os comerciais de cerveja estimulam o consumo de cerveja, mas não com a precisão e racionalismo que gostaríamos. O que isto implica, claro, é que as mentes humanas não estão tão isoladas umas das outras. É possível inculcar imagens em públicos muito amplos, como vemos nas eleições ou movimentos de massa. É pela educação que tornamos as pessoas menos suscetíveis a esse tipo de influência, mas na prática ninguém sai ileso da ação simbólica.
Mas a magia não pode vencer uma luta política ou militar sozinha. Nem vender um produto sozinha. O que pode fazer é dar um forte impulso ao lado mais prático da luta ou da venda. Ela faz isso gerando energia, entusiasmo, lealdade e amor entre os apoiadores do seu lado - atraindo aliados em vez de fazer mais inimigos e fazendo com que as pessoas do outro lado comecem a duvidar das próprias convicções. Ao fazer isso, a magia pode fornecer a vantagem que faz a vitória acontecer, mas não pode parar uma só bala com a força do pensamento.
Um erro clássico de achar que a magia vai fazer tudo é o erro nazista. Eles acreditavam estupidamente que as regras da magia também se aplicavam ao mundo material e que o ódio poderia materializar força física o bastante para dispensá-los das regras da física.
Adolf Hitler passa página após página triste no Mein Kampf discursando sobre o ódio como fonte de poder. É por isso que ele lançou uma invasão da Rússia sem distribuir uniformes de inverno para a Wehrmacht: ele odiava e desprezava tanto os russos que não acreditava que eles pudessem resistir à sua magia e aos seus exércitos o tempo suficiente para tornar isso um problema. Todos nós sabemos o que aconteceu.2
O pessoal da autoajuda, que consciente ou insconscientemente são TODOS mágicos ocultistas (a origem da autoajuda é ocultista), lembram as pessoas de se concentrarem naquilo que desejam, não naquilo que odeiam, temem ou querem se livrar. Claro, há uma razão para isso: poucas pessoas descobrem o que realmente querem.
Quase sempre as pessoas pensam: “Se ao menos X acontecer” – e X, claro, pode ser qualquer coisa, desde ganhar na loteria e perder 20kg até casar com a pessoa certa – “minha vida será maravilhosa”. Então, eles passam a vida pensando no dinheiro ou no cônjuge que não têm e não conseguem concentrar sua vontade e imaginação exatamente no tipo de mudanças que desejam em suas vidas.
E quando as pessoas não sabem o que querem é quando a propaganda mais faz dinheiro e toca o terror.
3. PRAGMAG: A MAGIA PRÁTICA
Na caça às bruxas europeia, a bruxaria era invocada em tempos de pobreza ou de pandemia quando as pessoas se sentiam privadas de direitos e quando as coisas pareciam inexplicáveis. Por razões semelhantes, há um gosto crescente por táticas mágicas (os humanos, universalmente, parecem não lidar bem com a brutal injustiça do acaso) ou profissões mágicas ou até mesmo por ser um mago ou wicca. Quando tudo parece desmoronar, os meios normais já não bastam. Situações desesperadoras exigem atitudes desesperadas.
Esse aumento pode vir de uma combinação de fatores. A bruxaria promete o acesso a um poder mágico e invisível capaz de mudar a sua vida de acordo com a sua vontade. Ao mesmo tempo chamar a si mesmo de mago, bruxo ou marqueteiro lhe dá o poder capaz de manipular o destino das outras pessoas. Não é à toa que 99% dos autodenominados estrategistas escolhem o arquétipo do mago.
Além disso essa identade oferece um lugar reconfortante no mundo: pertencer a uma comunidade com uma língua comum, um conjunto de rituais, um objetivo concreto: o sucesso, o poder, o respeito. O marketing digital fornece a estrutura reconfortante da religião para os não-religiosos e uma comunhão de crentes para os incrédulos.
“Fazer marketing” ou “ser copywriter” tornaram-se categorias tão abrangentes e amorfas que podem significar tudo e qualquer coisa – e às vezes até nada. Mas no fundo ainda resta essa tentação mágica de que mesmo você sendo uma vítima de opressões sociais, psicológicas ou genéticas, você pode obter um sucesso milagroso se possuir as ferramentas certas. As ferramentas da magia.
A magia é a crença mais antiga da humanidade. É anterior à religião ou à ciência e, embora ambas pareçam ter surgido dela, nenhuma conseguiu se livrar da sua mãe maluca. Mesmo onde a fé desapareceu, a magia sobreviveu. Por magia, espero que tenha ficado claro, não quero dizer tirar um coelho da cartola ou serrar uma mulher ao meio, mas sim o pensamento mágico tal como tem sido pensado pelo homem há um milhão de anos. Pois seus pontos de referência são tão amplos e básicos que é difícil evitá-los nas relações humanas. A linguagem da magia é a língua do controle do desejo.
A administração mágica em todas as eras está no centro das principais preocupações da época: caça, agricultura, religião, política, comércio, nacionalismo ou qualquer outra coisa. Na nossa época, a principal preocupação é o consumo de bens e serviços. É um trabalho difícil, mas para ajudar esse estado mágico temos a maior força de persuasão coletiva que o mundo já viu: o marketing.
O marketing é um instrumento único na nossa época, mas ao mesmo tempo toca os temas mais antigos da humanidade. A razão é esta: no esforço de persuadir as pessoas da justiça da sua causa, seja ela qual for, ele terá que encontrar um ponto comum com os desconhecidos cuja opinião deseja alterar. Quanto mais pessoas tentar persuadir, mais comum será o denominador e mais básico será o apelo. Se milhares de anos atrás isso só era possível obrigando as pessoas a se reunirem fisicamente num lugar, agora você pode alimentál-las com imagens 24h por dia na sua intimidade com anúncios, como um pato de foie gras.
Além disso, quando o produto anunciado é praticamente idêntico ao dos seus concorrentes, ou quando o valor do produto para o seu cliente é muito subjetivo, os apelos tornam-se tão básicos que se afastam dos fatos tal como a ciência define. Eles vão além da razão para algo mais básico, o denominador mais comum de todos, a magia. A magia do sexo, do dinheiro ou do sucesso. Vamos ver como isso acontece na prática.
Pode parecer uma história esquisita, mas o livro mais lido por marqueteiros nos anos 70 foi O Ramo de Ouro do James Frazer. Lá ele dividiu esse uso mágico em duas partes: magia teórica e magia prática.
A magia teórica tem a ver com a lei natural: o nascer do sol, a mudança das estações, o movimento dos céus, o aumento das marés, essas explicações para os padrões recorrentes que vivemos todos os anos. Na história humana, a ciência oficial desprezou a magia teórica como explicação desses fenômenos. Se nos perguntarmos por que demorou tanto ou por que não dava para conciliar os dois, é bom lembrar que ainda há pessoas que acreditam que a terra é plana.
A magia prática, nossa principal preocupação aqui, é um conjunto de regras que os seres humanos devem seguir para alcançar os fins desejados. Suas técnicas ainda estão entre nós, e o marketing – ele mesmo dedicado à satisfação dos desejos humanos – usa todas elas.
Frazer divide a magia prática vagamente no que ele chama de magia imitativa e magia contagiosa.
A magia imitativa pressupõe que os objetos que estiveram em contato entre si continuarão a agir uns sobre os outros à distância após o contato físico ter sido interrompido. Exemplos de magia imitativa podem ser perfurar um vudu ou enforcar efígies, réplicas que representam uma pessoa. A lógica mágica é a mesma do namorado rejeitado que rasga a foto de sua namorada ou da namorada que queima os presentes do ex-namorado.
Você pode ver esse tipo de uso em anúncios de produtos de saúde em que achamos que porque certo animal representa algum ideal de virilidade ou tem algum formato fálico, achamos que também teremos essa potência sexual e viril se consumirmos esse objeto
Outro exemplo de magia imitativa é o uso de chifre de rinoceronte em pó — ou de qualquer outro animal viril na verdade —, que é valorizado no Extremo Oriente como um suplemento masculino. Olha como o rinoceronte é poderoso e tem um chifre longo, grosso e fálico! É claro que ele fará a mesma coisa por mim! Não sei quanto custa o chifre de rinoceronte em pó, mas seus usuários provavelmente acham que vale o preço. Não pense que é algo Oriental, aqui no Ocidente usamos as raspas do chifre de veado (sem risinhos) para aumentar a testosterona (que ironia!), a Velvesterona.
Para que os homens não se sintam injustiçados, vejam o que aconteceu com a geleia real quando foi industrializada. Ela pode ser muito boa para saúde objetivamente falando, embora eu duvide muito que algum consumidor possa explicar qualquer um dos seus régios benefícios em 3 linhas. O seu apelo na hora de propagandear o produto usou outro tipo de magia: a ideia de consumir um alimento exclusivo da realeza e satisfazer um desejo feminino de ser a única, adorada por todos, ser a rainha da colmeia. Ou será que as mulheres têm algum impulso profundo e inconsciente de acasalar no ar?
Um pouco diferente em sua aplicação é a magia contagiosa. A ideia aqui é que um objeto que foi associado a uma pessoa um dia continuará associado a essa pessoa para sempre. Seus restos de unhas e cabelos servirão, portanto, muito bem na preparação de uma poção do amor. Mas também funciona de outra maneira menos assustadora: uma coisa também pode carregar consigo quaisquer qualidades que a pessoa que a possuiu, tocou ou usou tenha. Assim é a ideia de que tal cadáver santo tenha algum poder de cura ou a busca de Hitler pela lança que perfurou Cristo, ou uma mecha de cabelo da Taylor Swift, ou autógrafos, ou toda aquela nojeira que as garotas do OnlyFans vendem para seus fãs, como urina e calcinha usada. Ah, e é por isso que o guru tira foto encostado na Ferrari — se é alugada ou não, pouco importa.
Por exemplo, posso comprar o mesmo tênis usado pelo Neymar ou, se você se acha menos influenciável, o mesmo prato, roupa ou produto de limpeza da Lara Nesteruk que de alguma forma sinto que vou adquirir algo do ser dela. É tola a comparação entre “ter” e “ser”: queremos ter PARA ser.
Toda a publicidade de produtos de higiene baseia-se na magia prática. Assim como a poção do amor, ele promete que você será irresistível. Se você passar Axe no seu filho, saiba que está condenando o pequeno a ser uma ameaça sexual às solteiras, casadas e fêmeas de toda espécie.
Se uma garota usa qualquer sabonete facial francês, ela tem a certeza triunfante de um casamento glorioso com um jovem rico e sem espinhas, com um metro e noventa de altura, dentes brilhantes e sem entradas capilares. Seus produtos de higiene pessoal os uniram. Deveria haver um banquinho na primeira fila em todos os casamentos para as santas marcas casamenteiras.
Também está implícito nos exemplos acima a sugestão ameçadora de que quaisquer benefícios que o produto possa proporcionar serão negados se você não os comprar. Se você não usar Axe, todas as garotas poderão não persegui-lo. É um risco. Mais explícita é a ameaça contida na publicidade de enxaguatórios bucais: não só as meninas não irão persegui-lo, mas você as afastará, a menos que use Colgate Plax 12.
Isso é ainda mais mágico do que a outra ameaça porque, embora você possa cheirar seu suvaco fedido, é muito difícil sentir o cheiro do próprio hálito. Você não tem como saber se está arruinando sua vida amorosa ou destruindo sua carreira. O enxaguatório bucal torna-se assim um amuleto com o qual você pode evitar consequências terríveis. O bom disso é que você nunca saberá se funcionou ou não, pois ninguém vai te falar que você não tem bafo, com ou sem mau hálito.
Isso nos leva a outro aspecto da magia: o tabu. Aqui vemos a publicidade criando e nomeando tabus. Segundo Freud, “a base do tabu é uma ação proibida para a qual existe uma forte inclinação no inconsciente”. Isto quer dizer que temos um desejo profundo de violar o tabu e de nos colocarmos acima dele, fora do alcance das suas restrições. A indústria cosmética parece ler Freud não como um aviso, mas como um manual.
O mais famoso tabu é a “halitose”, nome de doença inventado pelo marqueteiro Claude Hopkins. O mau hálito e o odor corporal sempre existiram, é claro, mas como questões individuais. Transferi-los para tabus tribais é, de fato, um truque de mágica. Isso fez de Hopkins um mágico milionário. O autor de “A Ciência da Publicidade” não poderia estar mais longe da ciência.
Ou considere os nomes dos perfumes: Scandal (Escândalo), Pecado, Irresistible, Proibida, My Sin (Meu Pecado), Black Magic (Magia Negra) e até Tabu, e muitos outros dos quais tenho muito medo de lembrar. Você consegue imaginar que em algum lugar no subsolo dessas empresas há bruxas em um caldeirão preparando todas essas poções mágicas sobre grossos volumes das obras completas do senhor Freud.
Algumas propagandas de sutiãs também exploram o desejo de violar tabus. Contudo, a publicidade de moda como um todo aposta em outro tipo de mágica. Você já se perguntou por que as modelos de moda têm aquela aparência?
Se você perguntar a alguém do ramo por que as modelos são assim, ele dirá que as meninas magras exibem melhor as roupas. Eles dão essa razão lógica para não ficarem mal na fita, pois a verdadeira essência de sua aparência sobrenatural é simplesmente esta: elas parecem sobrenaturais. Elas passam fome pela beleza da alfaiataria e nesse sacrifício há uma intenção mágica. Suas atitudes são como se estivessem em transe, como se estivessem congeladas naquelas poses bizarras por um feitiço. São feitas para deixar claro que pertencem a outra dimensão, uma superior, e desafio você a explicá-las de outra forma. Se elas parecem feias ou esquisitas hoje, é só porque deixamos de acreditar em anjos, mas nunca deixamos de acreditar em demônios.
Nem são estas as únicas figuras sobrenaturais na publicidade. O poder do mago sempre foi seu comando do que poderíamos chamar de “sobrenatural próximo” em oposição ao “sobrenatural remoto”. O mago, ou marqueteiro, não ora nem implora a essas forças sobrenaturais acessíveis para ajudá-lo; ele as domina com seu conhecimento e poder superiores. Ele é o mestre delas e elas atuam sob sua vontade. A publicidade invoca essas entidades sobrenaturais de muitas formas e algumas delas são bastante óbvias.
Mr. Músculo, por exemplo; ele se materializa a pedido do homem - ou, neste caso, da mulher - e funciona como mágica. Pense no número de vezes que você viu as palavras “'como mágica” em anúncios. Esses dispositivos funcionam porque o domínio do sobrenatural é um dos sonhos mais antigos da humanidade – e a base da literatura desde os primeiros mitos do homem até as Mil e Uma Noites, Fausto, Superman. Algumas dessas manifestações sobrenaturais são, obviamente, muito mais sutis do que o Mr. Músculo.
Algumas das nossas publicidades mais estimulantes evocam um tipo de figura “mefistofélica”. Mefistófeles é uma versão suave, imperturbável e mundana de alguém que conhece o coração do homem, mas que já não tem prazer nas suas atividades. Ele está no mundo, mas não é de daqui. Ele simplesmente está lá, ele se materializou.
E ele geralmente traz o sinal pelo qual o conhecemos: uma marca que o diferencia dos meros mortais, seja um chapéu estranho, uma barba comprida, uma tatuagem ou um tapa-olho preto. Ele é um demônio que gosta de pessoas. Ele gosta de ajudá-las a conseguirem o que querem. Ou o que por causa do seu charme tentador elas passaram a querer. Mefistófeles concede uma bênção: vida eterna, juventude, coragem, união, sonhos não realizados. Seu preço é sempre alguma coisa. Quando se trata de uma coisa tão pequena como um maço de cigarros, um refrigerante ou um batom, por que não se deveria arriscar? Você vê essas figuras mefistofélicas no cowboy da Marlboro, no Homem da Camisa Hathaway, nos anúncios de perfumes com celebridades sedutoras.
Já o sobrenatural remoto é aquela força que está muito além do nosso controle: a morte, o desastre, o azar. O sobrenatural remoto não pode ser evocado à vontade ou usado como ferramenta. Não há nada que podemos fazer e ainda assim precisamos fazer alguma coisa. Então fazemos rituais de prosperidade, sacrificamos nosso sono, construímos casas, cruzamos os dedos, economizamos dinheiro para dias difíceis e compramos seguro de vida. Com certeza comprar um seguro é uma atitude adulta e preventiva, mas os motivos para comprá-lo? Não tenho tanta certeza.
Em primeiro lugar, economizar para um dia ruim é uma questão bem diferente de economizar para um propósito concreto, como comprar uma casa ou fazer uma viagem. As pessoas economizam para o dia ruim sem, na maioria dos casos, ter certeza de quando ele chegará ou mesmo se chegará (os otimistas acham que jamais chegará; os pessimistas que não o suportarão). E todos conhecemos pessoas que não mexeriam nas suas poupanças mesmo quando chegasse o dia terrível. Não sei você, mas isso não parece um ato muito parecido com os sacrifícios para apaziguar a fúria de um deus? Um suborno para sorte? Um ato muito além da mera prudência?
Da mesma forma, a compra de seguros é uma reação de pura angústia diante do desconhecido e um ato mágico de crença na sorte. Uma apólice de seguro é mais do que uma aposta contra as probabilidades; ela também assume as propriedades de um talismã para neutralizar o desastre ou impedir a morte. Você vê isso no rosto tranquilo e garantido de quem paga seguro quando descobre que outra pessoa ainda não tem nenhum. Quem não tem seguro está pedindo por um desastre.
Esse instinto mágico pode influenciar a compra de qualquer seguro, seja de vida, de piso laminado ou do seu silicone. Mas o seguro de vida é o único em que a magia tem pouca ação. Compramos seguro de vida porque sabemos que vamos morrer – a única questão é quando. Agora um seguro contra incêndio? Se você não mora na California, é subornar o destino — e é assim que se vende seguros.
É mágico também o uso do crédito. A compra a prazo é um convite para pensar magicamente sobre o dinheiro. De acordo com Vance Packard, “Os cartões de crédito são mágicos, pois servem como dinheiro quando alguém temporariamente não tem dinheiro. Tornam-se assim símbolos de poder e potência inesgotável.”
A magia na propaganda tem uma forma mais perniciosa naquilo que Martin Mayer chamou de “o ingrediente a mais”, o molho secreto, o “segredo que não querem que você saiba”. Esta propriedade “a mais”, o “plus”, é tão abusado que todo o ser e autoridade do produto residem no seu marketing, o produto é a sua propaganda. E como chamamos um objeto que carrega propriedades mágicas? Um objeto encantado.
Um produto tenderá a ser encantado quando sua autoridade excede os simples fatos. O mantra de “não são os melhores produtos que vendem, mas os produtos com o melhor marketing” quer dizer apenas isso3. A fonte dessa aura mágica varia, mas em geral vem da crença na ciência, nas instituições ou nos outros, por meio de um mecanismo de transferência psicológico.
Um semáforo vermelho é um pedaço de vidro colorido com uma lâmpada atrás dele. Significa parar. Mas, como aponta S. I. Hayakawa, o semanticista, na prática muitas vezes é parar. Lembre-se de como você se sente culpado quando ultrapassa um semáforo vermelho, obviamente travado ou piscando, mesmo tarde da noite, sem ninguém à vista em um raio de cinquenta quilômetros em qualquer direção. É a mesma coisa com o produto. Você sente que sem ele sua vida não pode continuar sem culpa.
Outro exemplo: se você ficasse pelado em público apenas com um pedaço de pano, a polícia iria querer te prender e algum psiquiatra te internar desde que o pano em questão fosse a bandeira nazista — a exceção é quando quebram santos ou destroem imagens religiosas, aí não acontece nada. A bandeira, neste caso, não simboliza apenas o nazismo, é o nazismo, e, como tal, é um encanto. Você é nazista.
Da mesma forma, itens humildes, como pasta de dente, sabonetes e cigarros, são amuletos. A publicidade impregnou cada produto do nosso dia a dia com uma positividade e emoção que vão muito além de qualquer justificativa razoável.
Agora, fazer esse tipo de trabalho de bruxaria não é tão fácil quanto você imagina. Quando tudo parece saturado, só existe uma direção: para cima, rumo ao sobrenatural.
4.O Bestiário do Marqueteiro
É muito fácil ver isso em slogans do tipo “abra a felicidade” ou “viver sem fronteiras'“. Além disso, com a repetição, qualquer slogan perderá todo o sentido que tenha e sobreviverá como litania mágica, uma repetição oca, como um abracadabra que ativa sua vontade em certas situações.
Mesmo um slogan bom, como “Just Do It”, se torna ao longo do tempo uma frase repetida para explicar milhares de momentos na sua vida que nada tem a ver com tênis ou Nike, mas como uma oração que você repete para se automotivar para superar certas dificuldades. Isso se aplica a todos os jingles, se forem bons. É mágica – uma associação de ideias que são aparentemente importantes, mas logicamente irrelevante.
A ciência comportamental ou a retórica tradicional gosta de chamar esse tipo de uso mágico nos slogans de “Efeito Keats” ou “Efeito de Ritmo e Rima”. Mas não seria curioso que esse efeito de ritmo e rima fosse justamente o mesmo de rituais religiosos e, em última análise, mágicos? Qualquer um que já estudou poesia antiga sabe disso. São usos milenarmente anteriores às descobertas dos senhores Daniel Kahneman e Amós Tversky.
A ciência explicaria um outro tipo de associação mágica pelo nome de “Efeito Halo” (vocês sabem de onde vem o “halo”, certo?). Vejamos os clássicos e nunca superados anúncios da Shell. A empresa de petróleo pagou para os artistas mais prestigiados da época criarem obras de arte que de alguma maneira representassem o impacto da empresa no mundo (ah, sim, a parte boa). Esses anúncios são feitos com muito talento e mostram que eles, a Shell, também fazem um bom trabalho. Aqui notamos a magia imitativa (a Shell como empresa e a “Shell do artista” ) e também a magia contagiosa (a qualidade do artista transferida para a qualidade da Shell por associação).
Se somos culpados por fazer essa associação mágica, então a habilidade de fazer associação em geral também o é. Temos culpa por sermos gente? Isto não quer dizer que os fatos por trás desses produtos ou serviços sejam ilusórios. Às vezes são, claro, mas não duram muito. Ele precisam ser reais para que a magia permaneça. A tribo que faz a dança da chuva nunca se esquece de plantar a semente. Nem a mulher que vai até a benzedeira para engravidar esquece de transar. O marqueteiro que aposta tudo na sua magia e ignora o produto escolheu o caminho do charlatanismo e do fracasso em longo prazo. Não dá para construir castelos no ar.
No entanto, devemos distinguir entre a magia branca e a magia negra da publicidade. A diferença depende principalmente de a técnica ser usada como meio de ilustrar uma característica do produto ou constituir um fato em si (“9 em cada 10 dentistas recomendam”, em que o anúncio quer dizer apenas que você é livre para destruir seus dentes se quiser ir contra a autoridade médica odontológica de todo o planeta, não tem a ver com o produto).
A magia branca usa imagens mágicas que intensificam algo real no produto. A magia negra sugere o pensamento mágico, o faz-de-conta. Então enquanto o uso da magia branca pode prometer algo como “te fazer mais criativo”, o que é algo hipótetico até que você bote a mão na massa e que só você pode fazer por você mesmo por melhor que sejam os professores, a magia negra vai dizer que “essa é a única profissão que garante 30 mil reais por mês escrevendo”. Ela estimula em você esse pensamento mágico de mudar a sua vida completamente com a aquisição de algum item encantado.
Um exemplo de pensamento mágico clássico é a pirâmide. Ela sugere a ideia de uma expansão infinita, o que pressupõe um público sempre crescente consumindo cada vez mais. Isso é claramente impossível. O que você passar a desejar é estar no topo o mais rápido possível e esperar que não desmorone enquanto você chega lá.
Mas, qualquer que seja a sua forma, a magia da publicidade é (ou era) relativamente lúcida. Ela nunca confunde a sua missão: vender.
Agora você pode se perguntar se é impossível evitar esse tipo de associação. Suponho que sim, no sentido de que todas as pessoas vivas empregam de alguma forma simbolismo mágico. Por que seria ruim melhorar a experiência das pessoas com o produto?
Antecipar um produto é uma técnica de marketing comum para aumentar o seu desejo pelo produto ou serviço. Isso é errado? Perfumar o restaurante de frutos do mar com cheiro de mar é uma trapaça para melhorar a sua experiência com camarões no centro de SP? Fazer trailers para antecipar o filme é um jeito safado de fazer as pessoas se entusiasmarem para vê-lo?
Se esse uso é mais escancarado nos anúncios, é porque a propaganda é mais sem vergonha. Pelo mesmo motivo os enredos de novelas são mais clichês porque alguns públicos são mais simplórios, mas o mecanismo é exatamente o mesmo nas grandes obras. Assim como o piano tem as mesmas teclas para quem toca Bach e toca funk, a magia da propaganda é uma ferramenta que pode ser usada para o bem ou para o mal.
Ela só não pode ser evitada.
“Eros” no título quer dizer, para Couliano, “desejo” no sentido mais amplo. Para ele, a magia é uma ciência da imaginação e é por ela que acessamos e manipulamos os desejos de acordo com a nossa vontade — ou com a dos outros, como veremos mais à frente.
Do outro lado da luta estava a ocultista inglesa Violet Firth Evans, também conhecida como Dion Fortune, que montou uma rede de praticantes de magia britânicos contra os nazistas. Uma das coisas que tornou a Wehrmacht tão bem-sucedida no início foi que a liderança das nações que ela invadia tendia a sofrer um súbito colapso moral. Fortune, que reconheceu o papel da magia na causa desse colapso, decidiu destruir esse processo e evitar que a Grã-Bretanha sofresse o mesmo destino. Ela se concentrou na formulação de um ideal interno tão forte, preciso e vivido quanto possível. Novamente, todos nós sabemos como isso funcionou. (Você pode encontrar detalhes de seu método em The Magical Battle of Britain, editado por Gareth Knight.)
Sempre me surpreendo com essa conclusão safada. Em vez de pensar que “todo bom produto precisa de uma boa propaganda”, eles saíram com essa, difundindo a ideia de que o produto não importa se você puder mentir direitinho. É o argumento dos medíocres.
Às vezes tenho vontade de imprimir seus textos, colocar num cofre subterrâneo e deixar um bilhete ao lado, escrito: CUIDADO, ESSE CARA SABIA DAS COISAS.
Fiquei de boca aberta enquanto lia kkkk demais