Se você está lendo isso, provavelmente você já se perguntou:
“Quem sou eu para dar conselhos sobre isso?
“Quem sou eu para dizer como alguém deve fazer essa ou aquela tarefa?”
“Quem sou para querer fazer algo diferente dos outros?”
“O que me dá o direito de dizer que posso garantir esse resultado ao meu cliente?”
“O que me dá o direito de querer essas coisas ou até de obtê-las. Pior: de gostar delas?”
Eu pelo menos sempre me pergunto isso toda vez que me sento para escrever um texto, o que hoje significa todos os dias. Apesar de uma rotina de criação aniquilar qualquer dúvida a respeito do seu valor, quero que você saiba o seguinte:
eu não só me sinto como um impostor. Eu sou um impostor. Você também é. E isso é só o começo. Prenda a respiração e mergulhe comigo.
A ORIGEM DA IMPOSTURA
Muito antes de Pauline Clance desenvolver a ideia do fenômeno do impostor, ela era conhecida como Tiny. Nascida em 1938, ela era a caçula de seis filhos de um operador de serraria que lutava para botar comida na mesa.
Tiny era ambiciosa, mas ela estava sempre duvidando de si mesma. Depois de quase todos os testes que fazia na escola (e geralmente acertava tudo), ela dizia à mãe: “Acho que dessa vez vou zerar”. E não zerava. Nunca zerou.
Ela foi a primeira da família a ir para a faculdade e concluir um doutorado em psicologia. Mas, aonde quer que fosse, Clance sentia a mesma sensação incômoda de dúvida, a suspeita de que ela de alguma forma havia enganado todos os outros fazendo-os pensar que ela era alguém que não era. Ela sentia que a cada segundo alguém podia expor o seu disfarce ou que algum erro tinha acontecido para explicar o seu sucesso. E ela não era a única.
No início dos anos 1970, como professora assistente , Clance ouvia alunas confessando experiências que a lembravam as suas: elas tinham certeza de que tinham reprovado, mesmo que tivessem ido bem em todas as outras provas anteriores.
Elas tinham certeza de que ou tiveram sorte ou houve algum engano ou talvez até por causa da sua beleza os professores teriam melhorado as suas notas. Clance comentou com a sua amiga e futura autora do conceito, Suzanne Imes, sobre seus sentimentos de fraude. Imes sabia exatamente do que ela estava falando.
Imes cresceu com uma irmã mais velha que desde cedo foi considerada “a inteligente”. Desde cedo qualquer sucesso nesse setor era sorte, já que era a irmã a abençoada. Imes disse a Clance que chorou depois de um teste de latim porque esqueceu como era “agricultor” e isso era significa que ela tiraria zero.
Quando descobriu que ela tirou A, sua mãe disse: “Nunca mais quero ouvir você falar desse jeito”. Mas o sucesso não fez com que os sentimentos de fraude desaparecessem; isso só fez com que parasse de falar sobre eles. Até que ela conheceu Clance.
Certa noite as duas deram uma festa para alguns alunos. Professores fazem isso porque gostam e porque ganham por essas horas (experiência própria). Mas os alunos delas, diferentes dos meus, pareceram desapontados e disseram: “Pensamos que iríamos aprender alguma coisa”. Elas ficaram chocadas.
Eles estavam tão empenhados em impressionar os outros colegas de turma que qualquer minuto parecia tempo perdido. Então Clance e Imes transformaram a festa em uma aula, montando um círculo de cadeiras e incentivando os alunos a conversarem sobre essa obsessão que era praticamente a mesma que tinham na adolescência.
Depois que alguns deles confessaram que se sentiam “impostores” em comparação com seus brilhantes colegas de classe, Clance e Imes começaram a se referir aos sentimentos que observavam como “o fenômeno do impostor”.
A partir daí, a dupla passou cinco anos conversando com mais de cento e cinquenta mulheres de sucesso. Em seguida, escreveram o artigo que as pessoas nem suspeitam que é a base dessa discussão a respeito da Síndrome do Impostor: “O Fenômeno Impostor em Mulheres de Alto Desempenho: Dinâmica e Intervenção Terapêutica”.
Nele, elas defendem que as mulheres da sua amostra sentiam com frequência “uma experiência de falsidade intelectual”, vivendo com medo perpétuo de que “alguma pessoa importante descobrisse que são de fato impostoras intelectuais”. O fenômeno ainda era particularmente feminino para as autoras, mas foi precisamente este processo de descoberta que ajudou Clance e Imes a formular o conceito.
Diferente do que você pode pensar, o artigo foi rejeitado por dezenas de revistas. Clance diz que curiosamente não se sentiu impostora por causa dessa rejeição porque sabia que o fenômeno era real (preste atenção nisso aqui. Falaremos mais disso abaixo). Quando finalmente conseguiram publicá-lo em 1978, foi um sucesso, o que é raro no mundo acadêmico. Todo mundo queria uma cópia do artigo para ler, guardar e enviar para a amiga que sofria disso também.
Até que em 1985 Pauline Clance lança o livro The Impostor Phenomenon, que prometia te ajudar a superar o medo que impede o seu sucesso. O fenômeno ficou em silêncio por algumas décadas até que as redes sociais rebatizaram como “Síndrome do Impostor”, que deixou de significar apenas esse sentimento de falsidade intelectual entre mulheres com talento acadêmico para expressar qualquer dúvida em relação às próprias conquistas acompanhada de uma sensação constante de ser uma fraude, mesmo diante de provas objetivas que dizem o contrário.
O Alex Hormozi acha que resultados derrubam qualquer síndrome do impostor. Quem dera se as provas fossem o bastante. Até os ídolos têm medo de deixar a máscara cair.
Os ombros dos gigantes também cansam
Steve Harrison conta que uma vez almoçando com David Ogilvy, o marqueteiro mais famoso do século XX, perguntou para o gênio quando é que ele se sentiu seguro a respeito de si mesmo e do próprio trabalho. Ele respondeu: “Há mais ou menos 5 anos”. Ele tinha 85 anos quando deu essa resposta.
Outro gênio, o Albert Einstein, também se sentia como um “vigarista involuntário” por causa da “estima exagerada que os outros têm pelo meu trabalho”.
Maya Angelou, prêmio Nobel de literatura, muitas vezes se sentia uma fraude: "Escrevi 11 livros, mas cada vez penso: 'ah, eles vão descobrir agora”.
Gostosas como a Bella Hadid também dizem que “Eu tenho essa síndrome do impostor, onde as pessoas me fazem sentir que eu não mereço nada disso”. Margot Robbie, a versão premium da Barbie, contra todas as expectativas masculinas e femininas diz “não se achar sexy”. Para você ver que nem as beldades estão isentas.
Neil Gaiman, num discurso de formatura que se tornou viral, descreveu o seu medo de ser apanhado pela “polícia antifraude”, que ele temia aparecer com uma prancheta para lhe avisar que ele não tinha o direito de viver a vida que estava vivendo.
No Olimpo de Hollywood, Natalie Portman confessa que “toda vez que eu abria a boca parecia que eu iria dizer a coisa mais burra que alguém já disse sobre aquele assunto”. Inteligente, linda, famosa e rica. Nada disso é o bastante para ela se sentir segura. O que sobra pra nós então, que com muita sorte teremos apenas um ou dois desses sinais de status?
Não importa muito onde você está, nem qual é a sua posição na hierarquia do jogo que você está jogando. O problema é geral porque todos nós estamos em uma rivalidade mimética, tentando competir contra modelos que nos parecem superiores em todos os aspectos. Achamos que o dinheiro, a fama e o respeito bastariam simplesmente porque não temos essas três coisas. Assim que tivermos isso, aparecerão outros modelos que vão nos provocar outros desejos.
Em outras palavras, o pessoal de Hollywood não quer impressionar a gente, mas os seus amigos. Em vez de focar em quem já os ama e os aceita, eles querem o amor de quem os despreza — exatamente como nós. O problema não se resolve, só muda de escala. Eu acho que tenho uma solução, um pouco decepcionante, é verdade.
Como vencer o jogo do impostor
Uma das razões de eu não ter abordado antes temas técnicos de escrita é que o iniciante tem mais problemas com a parte psicológica do que com a parte técnica.
Por exemplo, na minha postagem no Instagram sugeri um exercício simples e várias pessoas me disseram por direct que não enviaram porque estão com medo de terem feito um lixo. A técnica já está lá. O problema é psicológico. Eles se sentem como impostores. E eles têm razão. Eles são impostores.
Levando em consideração o conhecimento e experiência que eles têm, é normal e esperado que eles se sintam abaixo dos próprios ideais. Quer dizer, você quer começar a fazer algo e já quer se sentir mestre? (como vimos, nem os mestres se sentem mestres). Não é normal se sentir impostor ao tentar atuar num papel cujo roteiro você acabou de começar a ler?
Por isso todos nós que queremos fazer algo um pouco melhor do que a maioria vamos nos sentir como impostores pelo simples fato de que vamos sempre nos sentir um pouco abaixo dos nossos objetivos. Isso é universal e nunca vai desaparecer completamente. Se é universal, todos nós somos impostores. Se todo mundo é impostor, ninguém é impostor. Ou paramos com esse negócio ou enlouquecemos juntos.
Qualquer tentativa de fazer qualquer coisa da vida vai provocar esse sentimento porque agora você decidiu o caminho da maestria de uma área da sua vida. Não é maravilhoso? A maioria das pessoas aceita as coisas como estão e nem se importam em melhorar em qualquer coisa muito além da parte material. Muitas vezes nem o dinheiro pode motivá-las. Sentir-se como um impostor é então um sinal de que você está no caminho certo. Que você quer alguma coisa da vida. Que essa coisa é difícil não deveria ser nenhum mistério.
O truque é entender primeiro que isso é um sentimento. Às vezes eu me sinto triste e outras pessoas me dizem também que estão tristes. Me lembro então que a tristeza faz parte da vida e que outros também passam por isso. É reconfortante saber que não estamos sozinhos no escuro. Como sentimento, ele é passageiro e deixa de ter força à medida que você o sufoca com a prática. Sem um hábito criativo de, digamos, escrever 30 minutos todos os dias, o sentimento vai te engolir. Você precisa dar um cala-a-boca nele.
O segundo conselho é compreender que essa síndrome não vem sozinha. Ela traz como bônus a procrastinação e o perfeccionismo.
Porque o que você quer fazer é difícil, você vai ou achar que uma única ação vai determinar o seu futuro, como se você não tivesse uma segunda chance e não suportasse tanto investimento emocional e financeiro em uma única oportunidade, o que te paralisa diante da possibilidade de não ser a sua bala de prata (é o perfeccionista).
E não falo que é difícil da mesma forma que fazer gol de escanteio é difícil. Quero dizer que é difícil para você emocionalmente, não tecnicamente. Por exemplo, escrever é um ato de revelação, de exposição, de descascar as camadas do eu e mostrar ao mundo o que existe em toda a sua vulnerabilidade abaladora. As pessoas tremem diante de alguém lendo o seu texto em voz alta para uma sala cheia (eu mesmo fazia isso com alunos para que eles perdessem esse medo).
E quem em sã consciência quer fazer uma coisa dessas? É natural que uma parte do cérebro se rebele contra isso. Então para evitar essa dor você entra no modo de preparação. A procrastinação no sentido mais bobo mesmo de adiar aquilo que está diante dos seus olhos porque você tem medo de fazer essa descoberta. É por isso que os escritores bebem. E é por isso que os escritores – independentemente do seu nível de experiência – pensam que não são bons o suficiente, que são falsos, que são fraudes.
A parte pequena e medrosa da mente se contorcerá de diversas maneiras e lhe contará todos os tipos de mentiras, na tentativa de mantê-lo longe daquela página em branco. Porque a página em branco é onde você tem que se enfrentar e enfrentar a sua vida.
O terceiro conselho é uma solução para esse fazer as malas sem fim: perseverar.
Qualquer empreendimento depende no início mais de perseverança do que de qualquer outra coisa. Nada digno de atenção acontece em três dias. Nenhuma técnica vai te salvar aqui. Até o escritor com mais técnicas no mundo pode ficar em posição fetal diante da voz acusadora na sua mente. Mas você só vai perseverar se tiver duas coisas:
Projeto de longo prazo. Pode ser uma newsletter, pode ser um livro, pode ser conteúdo, tanto faz. Esse projeto precisa te manter todos os dias praticando. O propósito de cada dia é comparecer. Não é se livrar do medo, da insegurança. É só abrir o seu caderno ou seu computador e escrever por meia hora. Não é para ficar bom, é para fazer. “Bom” é algo que acontece apenas na revisão.
Alguma crença de que você é digno de se autodenominar escritor ou de ter um público. Você precisa de algum senso de que merece um pouco mais. De que as outras pessoas merecem um pouco mais de você e de que você é capaz de prover isso. O mundo online é uma monocultura obsoleta. As mesmas ideias, as mesmas fontes, o mesmo tom, os mesmos chavões. Precisamos de novas vozes. Sua voz pode ser exatamente o que alguém precisa ouvir.
Pelo menos é isso que digo a mim mesmo quando a dúvida, a apatia, o perfeccionismo e os comportamentos procrastinadores surgem. E quando me lembro disso, já me sinto menos um impostor. E então eu escrevo algo.
Pela primeira vez eu li um texto sobre isso que realmente fez sentido para mim. Obrigada!
Era o que precisava ler, há umas três semanas venho pensando em desistir da minha newsletter porque parece que tudo o que escrevo é amador. Obrigada!