Eu nunca quis ser professor. Ou guru.
A verdade é que eu sempre quis ser artista.
Quando criança, quis ser desenhista; na adolescência, quis ser músico; no começo da vida adulta, quis ser escritor. Tudo isso enquanto eu tinha trabalhos que iam de empacotador de supermercado a servente de pedreiro. Ser rico não era uma prioridade para mim, como você pode ver.
E talvez você ache que fui fazer Letras para garantir um emprego como professor na pior das hipóteses. Engana-se. Tudo o que eu queria durante a faculdade era ser um gênio renascentista, para quem nada humano é estranho, inclusive o dinheiro humano de algum mecenas para sustentar minha curiosidade.
Nos meus sonhos megalomaníacos, eu me imaginava recebendo troféus e agradecia de smoking e com falsa humildade a todos os aplausos que eu certamente merecia (se bem que eles poderiam ser algumas notas mais altas).
Os doutores que me leem podem rir do meu delírio.
Ensinar seria uma perda de tempo. Eu ganharia muito mais fazendo do que ensinando. Até que uma professora me disse o seguinte:
“Se você não ensinar ninguém, a sua vida será um grande desperdício, porque há muita gente que pode se beneficiar daquilo que você sabe e que jamais vai aprender isso se não for com você”.
Acho que ela não sabe o quanto aquilo pesou em mim como um destino. Claro que a minha vaidade gostou muito da parte de ser só comigo. Eu me permiti dar algumas aulas e ver o que acontecia (na verdade fui obrigado, mas gosto de manter essa versão em que sou incrível e tenho autonomia).
O que aconteceu foi que eu nunca mais parei de dar aulas.
Mesmo durante um período de dúvida, em que pensei largar tudo para ser diplomata, eu ainda dei aulas. Contra a minha vontade. A diplomacia para mim era um jeito de subornar o meu medo de começar de novo. De novo. De novo. Nesse momento eu ainda não sabia que muitas vezes você precisa entender o que faz sentido antes de começar a fazer dinheiro.
Para mim, a segurança do concurso era a garantia de nunca mais me preocupar com dinheiro. Enfim, estudar e escrever. Eu não sabia então que isso era o mesmo que pedir para me deixar apodrecer em paz. Alguns autores precisam de paz; outros de problemas. Eu sou do segundo tipo.
A questão é que talvez lá no fundo eu até pouco tempo sentisse vergonha de ser professor. Soa como uma profissão de sombras. Algo que você faz porque não tem coragem ou habilidade para fazer a coisa ensinada. Eu não queria que suspeitassem do meu talento e das minhas conquistas quando eu começasse a ensinar. Estúpido, eu sei. Todas as pessoas escrupulosas são estúpidas porque acham que têm poder e tempo para dobrar os indiferentes. Acorda. É mais tarde do que você imagina.
Quando eu ouvia do pessoal do marketing que “fulano ficou rico vendendo cursinho”, eu me sentia humilhado e ofendido. Não queria mais aparecer. Eu já tinha anos de experiência em dezenas de projetos, mas isso me feria como uma lâmina embaixo da unha. De repente, educar sem as burocracias da educação é errado. Lucrar com isso é insidioso. Só no Brasil o professor precisa ser pobre para manter o prestígio do mártir.
Na época eu era tímido diante da opinião de quem tinha mais dinheiro que eu e ela me impediu de ver o óbvio: eles mesmos vendiam cursos de outras pessoas ou se achavam mais dignos por vender pdf americano de 10 reais para tratar câncer de próstata. Não seja tão obediente e gentil quando te ameaçarem com essas bobagens. Elas têm dentes.
Hoje eu não sou tão bonzinho com os canalhas e tão injusto com quem confia no meu trabalho. Precisamos ter a coragem de apontar o que não queremos para lembrar que existem outras possibilidades.
Expor ou esconder opiniões são duas formas de confessar o seu caráter.
PS:
Estou organizando uma Oficina de Narrativa, o Storylab, com o Raul Martins. Vai ser uma imersão de um dia. O lote atual está 23 reais. Informações sobre o evento aqui.
Eu precisava desse incentivo porque a coragem para escolher letras não está em 100% justamente porque me ensinaram que não "dá dinheiro".
Uau! Muito obrigada pela generosidade desse texto👏