Em 2016 eu tinha feito esses planos para mim mesmo. 8 anos depois, o que eu realizei?
Meu livro de poesias?
Nunca publiquei. Para o meu horror só nesta semana encontrei os meus poemas num empoeirado Dropbox e para lidar com isso me convenço que sou um preguiçoso. Dante dizia que a preguiça era o seu maior pecado e assim escreveu a A Divina Comédia. Talvez eu também escreva a minha — ou talvez eu seja um preguiçoso não como Dante, mas vagabundo como Didi Mocó.
Meu mestrado?
Desisti. Acho que a vida acadêmica é boa no começo e no final da vida. No meio eu gostaria de errar em outras coisas com a liberdade de dizer o que penso e ganhar o máximo que eu puder. Não tenho nada contra os acadêmicos, só contra a faculdade.
E o francês?
O francês eu melhorei e virei até professor por alguns anos. Mandei uma dezena de alunos para França buscar seus sonhos como chef e ainda aprendi que há mais nomes de queijos e vinhos do que cidadão francês. Embora meu gosto em queijos tenha melhorado muito, o meu mau gosto para vinhos só piorou. Cheguei à conclusão de que não é para mim e e vou carregar para sempre a vergonha adulta de pedir suco de uva.
Meu romance?
Incompleto.
Me perdi na metade e acho que só agora encontrei a outra parte. Mas ela parece ser de outra história e já não sei se jogo tudo fora ou se começo de novo a partir daqui.
Pintar mais quadros?
Pintei mais 1 (UM/HUM/ONE/UN) quadro e não é porque sou o Leonardo DaVinci. Me sinto desencorajado toda vez que olho para ele. Acho que no fundo sou mais apreciador do que fazedor. Sei fazer uma coisa ou outra, mas talvez eu seja só um amador. Estou bem com isso. Como no negócio de bicicletas, são os amadores que mantêm os profissionais ganhando bem.
Tocar com a banda?
Nunca mais peguei no microfone – a não ser para pensar em vendê-lo (Shure SM 58 em bom estado. Interessa?). Recentemente a banda voltou a ensaiar para tocar em um festival de rock e, apesar de querer tocar com os meus amigos, eu não posso dizer que estou triste. Para mim é mais ou menos como aqueles reencontros de faculdade ou escola. Você acha legal até chegar lá.
Ah, e meus colegas de graduação?
Há anos não mando nem recebo um burocrático “Feliz Aniversário” de Facebook deles nem das minha professoras. Não acho que seja culpa minha ou delas, longe disso. Estou só contando o que aconteceu.
Aliás, sempre achei curioso que você encontre pessoas em cursos chatos que gostam mais de literatura e escrita do que seus colegas de sala. Um dos meus melhores amigos na verdade apenas ia comigo na van para a faculdade e fazia Administração. Outros colegas que amavam filmes faziam Contabilidade (o curso que mais gera disfunção erétil e calvície no mundo) ou Logística. Desde então, recomendo a todos que façam amigos em outros departamentos.
Estou contando isso porque em algum momento você abandonou seus ideais e se sentiu mal por isso.
Esses desejos na época pareciam tão densos que te permitiam se erguer em cima deles e ficar em pé diante de qualquer dificuldade ou dúvida existencial. Você se lembra de uma etapa na sua vida em que você sabia o que queria. Mas hoje, ao você olhar para eles, largados e esquecidos, tilintam como as trinta moedas de prata de uma traição pessoal. Você se vê como o Judas de si mesmo.
Não precisa ser assim. Algumas coisas precisam morrer para outras nascerem. Se o grão não morre, a planta não pode nascer. Certas pessoas vão te acusar do contrário. Que você deveria ter sido fiel aos seus desejos de 10 anos atrás. Elas precisam do seu eu antigo porque é esse velho pasto que alimentou as ideias que eles fazem de você. É desse mesmo pasto que vai crescer a grama verde e fresca, mas você não pode sentir isso agora. Poucos conseguem imaginar o que você pode ser; a maioria só confia no que você já foi.
Elas vão te achar esquisito quando você disser que já não quer mais aquilo. Seja esquisito. Aceite a sua excentricidade agora que é jovem porque senão na velhice vão te internar por causa dela.
Nietzsche dizia que “quem tem um porquê suporta qualquer como”. Mas às vezes o “porquê” enfraquece, perde a cor e fica anêmico. Aguente do jeito que puder. Nem ele era o super-homem que gostaria de ser. Isso também vai passar.
Não fique com a impressão de que estou dizendo que você não tem nenhum compromisso com o passado. Tente pensar nele como um mapa surrado que você dobrou e tirou do bolso dezenas de vezes para confirmar a direção e o tesouro. Pois alguns abandonos são uma traição pessoal, sim.
Por isso o mais importante é descobrir: qual desejo eu não posso deixar morrer?
Certas coisas morrem e nem deixam saudade. Para mim, foram essas que contei no texto. Todas foram úteis e me trouxeram oportunidades maravilhosas. Mas a que não passou foi o desejo de escrever melhor.
Embora eu não tenha terminado meus livros, eu desenvolvi muitas outras formas de expressão, aprendi outras línguas e fiz mais amigos e negócios com ela do que qualquer outra coisa.
Tudo isso foi fundamental para essa fase da minha vida, em que consigo olhar para o passado sem me sentir um Judas.
Acho que também é o desejo que você não quer deixar morrer. Você sente pode alcançar grandes coisas com ela. E você deve ter razão. Não posso te prometer que você será feliz, que você terá sucesso, que você vencerá na vida, porque ninguém pode.
Mas posso garantir que se você se comprometer com ela — por algum tempo — só para ver aonde ela te leva como bênção e como maldição, você vai descobrir algo importante sobre o que você quer fazer da sua vida. Talvez até para fazer algo banal, como o dinheiro.
Mesmo que o que você descubra seja algo ruim sobre você, como desilusão a respeito de uma profissão ou habilidade que você jurava dominar, os anos que você perdeu desejando fumaças serão redescobertos não como derrota e arrependimento, mas como graça e iluminação:
EM FRONTISPÍCIO
“Eu vos compensarei pelos anos que o gafanhoto comeu…”
(Joel, 2: 25)O Senhor prometera nos compensar os anos
que a legião dos gafanhotos devorara,
meu coração, mas a promessa era tão rara
que achei mais natural vê-Lo mudar de planosque afinal ocupar-Se de assuntos tão mundanos.
Assombra-me, portanto, ver uma luz tão clara
fecundar-me as cantigas, coração meu — repara
como crescem espigas entre escombros humanos…Naturalmente, quem sou eu para que Deus
cumprisse em minha vida promessa tão perfeita,
e no entanto hei-Lo arando, limpando os olhos meus,fazendo-os ver que, no trigal em que se deita
a luz dourada e musical, se algo perdeu-se
foi como o grão — entre a seara e a colheita.Bruno Tolentino
Puxei a capivara e descobri sonhos e desejos que eu nem acreditei que já sonhei. É bom mudar e deixar algumas coisas de lado... ótima reflexão!
Excelente! Me fez repensar muitas coisas.