O meu guru, Howard Luck Gossage
Lições de marketing do século XX para o século XXI (e talvez até para o XXII)
Se eu tivesse que levar apenas um livro para uma ilha deserta, com certeza não seria um livro de marketing. Eu espero mais da vida. Mas se o diabo me obrigasse a levar um de marketing, seria o livro do Howard Luck Gossage, meu guru.
Se sua resposta for ‘Howard quem?’ então você não tem a sorte de ser meu aluno. Eu obrigo todos eles a lerem os anúncios do Gossage, direta ou indiretamente. Eu uso a sua foto no meu grupo de mentoria. E até a minha página do Arquitetura dos Anúncios é baseada em sua filosofia criativa.
Muitos outros marqueteiros e empresários escrevem livros que falam mais sobre eles mesmos do que apresentam perspectivas interessantes e verdadeiras sobre o mundo dos negócios. Assim são os livros do Rosser Reeves, Claude Hopkins e David Ogilvy, por exemplo. Mais citados do que lidos, aliás.
Não me entenda mal, eles são bons. Mas embora ofereçam muitos insights sobre como persuadir os consumidores com mensagens eficazes, eles foram escritos em parte como cartas de vendas para eles próprios e para suas agências. São “conteúdo”. O próprio David Ogilvy disse que as “Confissões” foram a melhor propaganda para a sua agência que ele já escreveu.
Ao contrário deles, a obra de Gossage permanece atual porque não trata do seu trabalho e da sua vida, mas sim da sua visão do próprio negócio da propaganda. Não é uma biografia disfarçada de método. Até mesmo a sua filosofia criativa, os seus valores sobre o que constitui uma boa campanha, são extensões lógicas da sua visão original e ponderada do papel da publicidade na sociedade.
Ao contrário deles e de muitos profissionais que adoram criticar ou posar contra as técnicas sujas da propaganda, mas que mais tarde acabam fazendo a mesma coisa que denunciaram,1 Gossage criou uma nova linguagem para ser fiel a sua visão de mundo. Como ele mesmo dizia:
A publicidade, sendo uma coisa muito jovem, é tão curiosamente inocente da forma do mal quanto uma criança de 10 anos. Não há compreensão real do pecado. A indústria, é verdade, está inundada de condenações de más práticas, mas temos a mesma sensação de quando um jovem padre prega contra a fornicação. É improvável que ele saiba do que está falando.
O que Gossage pregou, o que ele praticou e, mais importante, os anúncios que ele criou de produtos e causas socialmente responsáveis provam que publicidade deveria ser uma parte fundamental de toda educação marqueteira. Para usá-la ou para se proteger dela.
Tem algum autor que você gostaria que fosse mais conhecido? Propaganda.
Tem alguma corrente de pensamento que você acha que as pessoas deveriam adotar? Propaganda.
Acha que as pessoas têm se afastado da religião? Propaganda.
Toda mudança que você quer ver hoje não vai acontecer apenas com a força de vontade e pensamento positivo. Jesus não pediu aos seus discípulos para se esconderem e esperarem os pagãos pedirem o preço do sacrifício no direct.
A verdade, porém, é que ele não é muito conhecido até entre as raras pessoas que sabem de onde vêm as suas ideias de marketing. Assim me sinto na obrigação pessoal de apresentar suas principais ideias, seus melhores anúncios e como eles influenciaram a sociedade na época e como podem influenciar a nossa.
O Sócrates de São Francisco
Quem foi Howard Luck Gossage e por que ele causou tanto impacto no mundo da propaganda?
Bem, ele nasceu em Chicago em 1917, antes de sua família se mudar para Nova York alguns anos depois. Ele estudou na Universidade do Kansas e foi convocado para o serviço militar na Segunda Guerra Mundial, onde serviu como piloto da marinha, ganhando duas medalhas.
Compartilhar traumas pessoais não era comum. Como muitos de sua geração, ele ficou chocado com a experiência da guerra e não falava sobre isso com ninguém, exceto John Steinbeck, o autor de “As vinhas da ira” e apenas um entre os ilustres convidados das suas festas na agência, da qual já vamos falar mais.
Após a guerra, ele ingressou em uma estação de rádio em Oakland como “gerente de promoções”. Depois foi para a Europa como militar para estudar sociologia em Paris e Genebra. Ao retornar aos EUA, ingressou em uma agência de publicidade em São Francisco e aí é que de fato começa a sua carreira extraordinária como gênio da propaganda.
A agência do “Sócrates de São Francisco”, como ele era conhecido, estava sediada bem longe da Madison Avenue, o centro da publicidade do século XX no final dos anos 1950 e 1960 (aquela que você vê na série Mad Men, que eu espero que você esteja assistindo).
A agência que ele fundou em Frisco em 1957 ficava em um maravilhoso corpo de bombeiros vitoriano. A ideia de uma agência de propaganda num prédio de bombeiros é uma imagem muito precisa do que fazemos.
Dizia-se que ele era um homem sempre em busca de uma solução elegante para os problemas da vida e que tinha certeza de que uma pessoa inteligente escolheria ser generosa em vez de egoísta. Isso vai influenciá-lo diretamente no conceito de Flahoolick, como veremos em breve.
Ele teve uma infância pobre e não se sentia amado por seus pais. Quem não tem amor em casa vai buscar na rua. Daí a sua necessidade de atuar para ser amado por desconhecidos — exatamente como David Ogilvy e Don Draper em Mad Men (você quer me provocar? Você não começou a assistir ainda?).
Muitas pessoas acreditam que ele odiava publicidade — e você talvez fique com essa impressão ao longo deste texto. Ele odiava as porcarias que predominavam na sua época (e ainda predominam na nossa), como eu e você odiamos. A diferença é que ele não tinha medo de dizer isso em voz alta.
Como mostram as cartas pessoais que escreveu aos amigos Barrows e Dagmar Mussey, ele tinha muito respeito pelo trabalho de Bill Bernbach e admirava David Ogilvy a ponto de até lhe mostrar seus anúncios antes de enviá-los para imprimir e roubar a sua headline para uma campanha da Land Rover (ele mandou um bilhete para Ogilvy dizendo que “Imitar é a forma mais honesta de roubo”).
“A 60 milhas por hora o barulho mais alto do novo Land-Rover vem do rugido do seu motor”. Ao contrário de Ogilvy, ele faz um anúncio demonstrando a brutalidade e a imponência do Land-Rover. Em certo momento da copy ele diz que ele vai impor medo e respeito aos outros motoristas. É um anúncio maravilhosamente bem escrito e persuasivo.
Essa antipatia de Gossage pela profissão tem motivo. Durante as décadas de 1950 e 60, a publicidade nos EUA foi indiscutivelmente mais poderosa do que em qualquer outra época da história e país (mais até do que a propaganda comunista). Dois importantes best-sellers da época, A Sociedade Afluente, de JK Galbraith, e The Hidden Persuaders, de Vance Packard, castigaram a indústria publicitária.
Galbraith acusou a publicidade de “moldar e manipular a moral pública de uma forma nunca vista antes numa sociedade democrática”. Packard foi ainda mais longe, contando histórias de publicitários que utilizaram a investigação psicológica e a psiquiatria para sondar as profundezas do nosso inconsciente e descobrir insights profundos que poderiam ser usados para manipular o comportamento de compra do consumidor sem o conhecimento das pessoas. Muitos exemplos eram inventados, mas isso não impediu que se criasse um clima de desconfiança em relação aos marqueteiros, que continua até hoje. Ninguém gosta de se apresentar como “marqueteiro”.
O verdadeiro crime dos anúncios naquela época e na nossa era que eles eram cretinos, chatos e cansativos para a inteligência média do americano. Em comparação com os dias de hoje, os orçamentos para os principais bens de consumo eram tão grandes que os anunciantes podiam dar-se ao luxo de bombardear o seu público até à submissão mental, com anúncios infernalmente repetitivos. É o império da USP ou PUV (Proposta Única de Vendas) do chato Rosser Reeves.
Mas mesmo na década de 1950, estava em curso uma reação negativa a ela e quando uma revolução criativa liderada por Bill Bernbach e David Ogilvy em Nova Iorque produziu anúncios mais elegantes, ponderados e sofisticados, o domínio da proposta de venda única (USP) chegou ao fim. Operando no lado ocidental menos barulhento dos EUA, Gossage ficou igualmente chocado com a grosseria da maior parte da produção da indústria e deu a sua contribuição para a revolução criativa. No entanto, ao contrário de seus colegas revolucionários, ele foi muito veemente em suas críticas.
No mercado digital, houve algo parecido, já que é o lugar mais barato do mundo para anunciar. Era. Por isso a vontade de fazer anúncios melhores só surgiu agora porque tem ficado cada vez mais caro jogar merda na cabeça das pessoas e os pombos-marqueteiros começaram a fazer uma dieta rica em criatividade para ver se melhora o cheiro e a consistência dos seus anúncios.
Um equívoco comum é achar que ele era um idealista que desperdiçou oportunidades de ganhar dinheiro. Sim, ele era um idealista, mas não era idiota. Por exemplo, em 1957, Gossage cobrava dos clientes um mínimo de US$ 50 mil por projeto. São US$ 420 mil em valores atuais. Quem hoje poderia comprar esse valor por uma campanha apenas em texto? A agência nunca teve mais de 12 pessoas, então havia muito lucro entrando (e Gossage sabia como gastá-lo, tanto que morreu com dívidas).
O biógrafo de Ogilvy disse que para entender o homem era preciso entender que ele era ator. Gossage também era um ator, mas um relutante. Preferia a influência secreta: ele nunca fez um comercial de TV na vida. Isso era mais ou menos como não produzir conteúdo no Instagram hoje.
Recusou dezenas de negócios para manter o número de funcionários abaixo de 13 — superstição japonesa. O mais famoso deles é a campanha do Fusca, que foi cair nas mãos de Bill Bernbach. Gossage disse que o produto era tão bom que não precisava de marketing. Depois se arrependeu porque não sabia que o orçamento era tão grande assim.
Preferia a companhia de pensadores mais esotéricos e procurou o tipo de causa que considerasse mais digna de seu talento e intelecto. Na verdade, são as causas nobres e a forma como utilizou os seus talentos para promovê-las que faz com que ele permenaceça acima de todos os outros grandes nomes da sua geração — para mim e para quem o conhece.
Um desses grandes nomes, David Ogilvy, descreveu Gossage como “o rebelde mais articulado no ramo da publicidade”. E explicou a opinião do seu velho amigo de que “a publicidade era um instrumento demasiado valioso para ser desperdiçado em produtos comerciais… ela só se justifica quando o é usado para fins sociais”. Com isso ele não quer dizer que não gosta de ganhar dinheiro ou que toda marca precisa ter um propósito, ele está reconhecendo que a propaganda usada apenas para vender sabonete é pouco.
Na época, muitos de seus colegas o consideravam um canalha por essa e outras opiniões. Na verdade, a Business Week nos informa que mencionar o seu nome num grupo de marqueteiros era “lançar uma maldição sobre os seus rivais”. Quando estava morrendo de leucemia, em julho de 1969, ele primeiro informou aos seus amigos que “a situação era trágica, mas mas não séria” e lamentou: “Nunca fiz nada que significasse alguma coisa para alguém neste mundo, exceto talvez inventar o moletom de Beethoven.” Que péssima consolação ser conhecido por inventar o moletom do Beethoven (já falaremos desse anúncio).
Como todo gênio ou personagem do subsolo dostoievskiano, ele oscilava entre o extremo narcisismo e a extrema insegurança, um deus ou um rato. Sua esposa confirma que ele literalmente arrancava os cabelos quando não tinha uma ideia para um negócio e passava dias e dias deprimido por não ter uma solução elegante para o problema.
No entanto, foi a primeira pessoa a usar o termo “interativo”, a conversar com o público em vez de falar para o público. Ele escreveu alguns dos anúncios mais peculiares e eficazes de todos os tempos, quebrando no processo todas as regras. Ajudou a lançar o movimento ambientalista e deixou um legado de campanhas de comunicação brilhantes, que pela primeira vez mostraram que a publicidade não é apenas vender um produto, ela pode ser usada para mudar o mundo — ou parte dele pelo menos.
Após sua morte, houve um obituário respeitoso, mas foi só isso e em poucos anos Gossage foi esquecido. Como disse Jeff Goodby, fundador da Goodby Silverstein and Partners: “No início dos anos 80, ninguém sabia sobre Gossage. Foi estranho. Havia uma lacuna na memória de todos.”
Não é tão estranho assim. Assim como a sua contemporânea Revolução Cultural Maoista, que procurou apagar toda a história chinesa inconveniente para os comunistas, a Revolução Criativa que transformou a indústria publicitária dos EUA na década de 1960 teve o seu próprio líder absoluto, Bill Bernbach, e um desprezo semelhante pelo passado.
Com uma ignorância irritante que dura até hoje, os jovens criativos das agências tradicionais ou digitais acham que não têm nada a aprender com ninguém além de Bernbach — na melhor das hipóteses — ou com alguém com mais de 16 anos. O preconceito comum é que “as coisas estão sempre mudando”, evoluindo rápido demais para perderem tempo com algo desatualizado, isto é, com mais de 3 meses.
Os mais velhos permaneceram em silêncio e seguiram a moda, com medo de serem denunciados como reacionários ou, o pecado mais imperdoável do mundo da publicidade, como velhos.
Tanto Ogilvy quanto Bernbach tinham como modelos marqueteiros do passado. No caso de Bernbach foi Rubicam. No caso do Ogilvy, bem, basta olhar na contracapa do livro Ogilvy Sobre a Propaganda e você verá os seis “gigantes sobre cujos ombros eu me apoiei”.
Gossage, no entanto, inspirou-se em outras disciplinas e teve outros modelos (chegaremos lá daqui a pouco). Isso não quer dizer que ele não estudou publicidade. Quando se matriculou no Golden Gate College, em São Francisco, no final dos anos 40, foi influenciado pela inteligente “soft sell” de um copywriter hoje completamente esquecido chamado Herb Reynolds.
Ele também, e isso é vital, fez todas as coisas que James Webb Young diz que é preciso fazer em seu excelente e curto livro “Como se tornar um publicitário”. Trabalhando como “media buyer” (um tipo de gestor de tráfego, vai), promotor, contador, diretor de arte e copywriter, ele desenvolveu o conhecimento necessário, segundo Young, sobre propostas, canais, mercados e linguagem que o transformaram no publicitário completo.
Isso o tornou diferente e, por mais incrível que pareça, ser diferente faz a diferença.
Por exemplo, imagine que você recebeu o seguinte brief:
A Qantas, uma companhia aérea australiana relativamente desconhecida, recebeu uma nova frota de aviões Super Constellation. O concorrente muito maior, TWA, usa o mesmo modelo. E o mesmo designer de interiores, Henry Dreyfuss. Crie um anúncio que convença as pessoas a mudar da TWA para a Qantas.
Agora, a abordagem convencional seria fazer alguma pesquisa para descobrir como a Qantus era diferente e melhor. A Qantus oferece mais espaço para as pernas? Eles oferecem um assento mais confortável? Eles permitem mais bagagem de mão? Eles são mais seguros? A tripulação deles é mais atraente? E faça um anúncio baseado nisso.
Howard ignorou tudo isso. Em vez disso, ele criou este anúncio.
“Seja o primeiro do seu quarteirão a ganhar um canguru!”
Sim, Howard organizou um concurso oferecendo um canguru para quem conseguisse encontrar um nome para o novo avião. Hoje, este ainda seria um anúncio notável. A campanha também funcionaria. Mas imagine a reação quando isto foi publicado há mais de cinquenta anos.
O segundo lugar ganhava um coala empalhado, pois, como ele diz, “os coalas vivos são muito exigentes na alimentação – você não iria querer um”.
Havia também 98 bumerangues como prêmios de consolação. E, para deixar todos felizes, cada participante recebia, de forma totalmente gratuita, uma explicação de por que não existe “u” na Qantas. Esse é o tipo de coisa que não teria a menor esperança de sobreviver ao processo de aprovação em qualquer uma das grandes agências idiotas de hoje, muito menos de ser aceita por um cliente. É por isso que, sem surpresa, praticamente toda a publicidade atual das companhias aéreas é uma droga. Pensando bem, praticamente toda a publicidade é uma droga.
É esse tipo de formação que criou a sua filosofia criativa. E qual é ela?
Gossage chamou isso de “A técnica da plataforma de anúncios”.
Ele nunca falou publicamente sobre isso. Na verdade, ele só revelou isso uma vez, em particular, ao seu amigo Barrows Mussey:
“Levei muito tempo para descobrir qual era a fórmula. Aparentemente é assim: que você pode estabelecer uma plataforma sobre um determinado assunto e tê-la exatamente correta, palavra por palavra, através de um anúncio, e então prosseguir com o assunto através de conferências de imprensa e assim por diante com publicidade.”
Agora você pode pensar, sim, mas todo mundo faz esse tipo de manobra de relações públicas hoje.
Mas eles fazem isso mesmo?
Pegue um jornal, olhe para um outdoor, assista televisão, visite as páginas nas redes sociais de uma marca e o que você vê?
Você encontrará um conteúdo que lhe diz para fazer algo. Clique aqui. Compre isso. Baixe isto. Experimente isso.
Veja, Gossage percebeu que não bastava ser melhor do que os outros anúncios. Ele tinha que ser melhor do que o contexto do anúncio. Para isso ele criou algo mais interessante — que virou notícia — para amplificar sua mensagem para além do espaço midiático.
Em seguida, ele convidou o leitor para a conversa. Quando eles respondiam, e vamos ver que milhares sempre respondiam, ele fazia outro anúncio para continuar a conversa. É um tipo diferente de campanha. Uma campanha mais dinâmica do que as maquetes de papelão que os Mad Men apresentavam aos clientes.
Como ele disse:
“Fazemos um anúncio de cada vez. Literalmente é assim que fazemos. Fazemos um anúncio e depois esperamos para ver o que acontece; e então fazemos outro anúncio.
Ah, às vezes a gente avança e faz três. Mas quando o fazemos, muitas vezes temos que alterar o terceiro antes que ele seja veiculado.
Porque se você publicar um anúncio que crie ação, ou resposta, ou envolva o público, descobrirá que algo aconteceu que mudou o caráter dos anúncios seguintes.” Esse é o ponto central da filosofia criativa dele.
Gossage enfatizava a importância de uma única mensagem publicitária entregue com respeito pela inteligência e pelos valores do seu público. Um marqueteiro que prepara um anúncio interessante e divertido não precisaria exibi-lo várias vezes, assim como o jornal não precisa publicar a mesma página todos os dias para chamar a atenção. Ele acharia horrenda a ideia de fazer 450 anúncios para um lançamento até ver qual funciona. Ele diria “vamos fazer um muito bom e então esperamos para ver o que acontece”.
Foi exatamente o que ele fez com os anúncios para as Destilarias Irlandesas de Uísque. Os americanos achavam, assim como eu, que a única serventia de um uísque irlandês era fazer um bom Irish Coffee. Gossage transformou o mercado de destilados com uma sequência de anúncios que literalmente se interrompia no final da página e continuava na edição seguinte.
Ele não sabia quantos nem o que ele diria no próximo. Ele escreveu o primeiro e ficou longo. Então ele pediu para imprimir mesmo assim e ver como o público reagiria. Os leitores ficaram ensandecidos para ler o restante. Abaixo você pode ver a terceira copy da sequência (foram umas 20). Não posso traduzir aqui, mas note que ela começa e termina em letras minúsculas, sem ponto final.
Outro elemento interessante é que ele faz com que o leitor interaja com a marca de modo significativo, recebendo um broche se você é do time do “Lucro”, aqueles que bebem uísque com café então querem aproveitar um produto barato, ou do “Orgulho”, aqueles que querem provar um uísque puro. Ele dá um modo de a pessoa participar e obter uma identidade que ela possa fisicamente demonstrar aos outros.
Isso porque você não está competindo contra outros marqueteiros, você está competindo contra todo o ambiente mais interessante onde o seu anúncio é inserido.
Quando você veicula um anúncio em story, por exemplo, a pessoa não está vendo o seu anúncio ao lado de vários outros anúncios, como numa página de classificados. Ela está vendo o seu anúncio entre os stories mais legais da influenciadora de peito grande ou do novo carro esportivo do seu guru favorito. Gossage estava competindo contra todos os conteúdos de alto nível da New Yorker. Uma revista conhecida pelo rigor na hora de escolher anúncios Então seu anúncio precisa ser do mesmo nível, pelo menos, para chamar a atenção dos leitores.
Os anúncios dele funcionaram tão bem porque ele era muito melhor em compreender “o jogo por trás do jogo” – o mundo da mídia – a água em que nadam nossos pequenos anúncios e estratégias de marketing. A alavancagem dessa perspectiva extra deu a Gossage uma tremenda vantagem competitiva. O trabalho de Howard ressoou em um palco maior – assim como seus textos, que apareciam tanto em revistas de propaganda, como a Advertising Age, quanto em revistas culturais, como a Harpers. Howard viu as conexões entre as diversas disciplinas e sabia como trabalhá-las.
Ele costumava dizer que não se pode ensinar alguém a ser criativo ou a ser um bom copywriter. Sua empresa permaneceu pequena porque não acreditava que pudesse ensinar às pessoas “como fazer” o que ele fazia no seu negócio. No entanto, o segredo do sucesso pode estar em ser um pouco generalista, em saber como todas as partes do entorno se encaixam. Quem entende o panorama geral tem mais chances de ter sucesso. No mínimo, ele ou ela pode questionar o valor ou a natureza das coisas que faz e assim tomar decisões de vida e de negócios melhores. Afinal, ele disse com verdade que:
“Eu não sei quem descobriu a água, mas não foi o peixe”.
Seja um peixe fora d’água.
Os melhores influenciadores e marqueteiros do Instagram são. Marketing é apenas UMA parte do trabalho deles. Vários são formados em faculdades de comunicação, medicina, filosofia, letras ou artes visuais. Marketing é uma habilidade que eles desenvolveram PARA comunicar essa outra coisa que eles têm.
A insistência no nosso mercado para adquirir habilidades de marketing e criar negócios sem conhecer o mundo em que esses negócios existem nem como funcionam as pessoas para quem eles querem vender esses produtos precisa ser denunciada e humilhada.
Ele observou várias e várias vezes como tratar o público como cativo, isto é, alguém obrigado a ver os anúncios quantas vezes porque você pagou até que eles comprem , é pedir para que eles não prestem atenção em você. É a propaganda com base na intimidação e no suborno.
Na década de 1960, poucas pessoas pareciam entender isso e não acho que o número cresceu muito. Ele criticou todas as abordagens de negócios criadas sob a mentalidade de que a publicidade é atirar em peixes em um barril: “Mas os peixes estão aprendendo a nadar mais rápido e desenvolvendo armadura”. Porque:
“Ninguém lê anúncios. As pessoas leem o que lhes interessa e às vezes é um anúncio.”
A primeira citação de Gossage de que me lembro era sobre somos todos prisioneiros perceptivos de nossos ambientes.
“No curso normal dos acontecimentos, não temos consciência do nosso ambiente, assim como um peixe não tem consciência do dele. Não sabemos quem descobriu a água, mas temos certeza de que não era um peixe.”
Gossage era o peixe no mar do negócio publicitário, mas ele nunca se esqueceu de investigar a natureza da sua água. Quando as pessoas dizem que não gostam de publicidade, elas começam a apresentar sua lista dos anúncios mais desagradáveis. Gossage apresenta as falhas da própria atividade.
A maioria das pessoas critica a publicidade exterior por motivos estéticos; Gossage critica a própria ideia de que devemos aceitar alegremente que algo se intrometa em nossa vida, cuja única razão de existência é uma mensagem de vendas.
Ele viu muito bem como as diferentes profissões dentro do marketing significam visões de mundo diferentes e portanto vieses diferentes na hora de explicar “por que esse anúncio funciona”. Essa falta de reflexão a respeito do seu papel real na geração de resultados era causada por uma preocupação em apenas ganhar dinheiro. Por esse motivo era fácil para um publicitário tratar os clientes com tanto desrespeito. David Ogilvy disse: “O consumidor não é um idiota. Ela é sua esposa”. No entanto, Gossage foi mais preciso ao dizer que é fácil não pensar no público como uma pessoa real. Ele escreveu:
Quando os anunciantes falam de consumidores, eles pensam que se referem a pessoas, mas não é assim. Um consumidor é um ser funcional projetado para usar tudo o que você tem para vender. Sua estrutura irá, é claro, variar consideravelmente dependendo se alguém está vendendo pasta de dente, sutiãs ou papel higiênico.
É fácil não pensar nas pessoas quando a sua preocupação é um alvo, uma métrica, uma massa amorfa de humanidade que pode (ou não) comprar o seu produto.
Essa prisão da percepção é o que levava os marqueteiros da sua época a pensarem sempre as mesmas coisas para os mesmos produtos, independentemente da realidade dos consumidores. Por exemplo, veja o anúncio que ele fez para a petroquímica FINA.
Todo mundo sabe que gasolina é gasolina. Os aditivos são em grande parte marketing. Isto é, um recurso que talvez melhore uma pequena porcentagem de carros com certos tipos de motores. Enquanto outras petroquímicas queriam demonstrar a pureza da sua gasolina ou como ela iria te tornar um monstro sexual (“Bote um Tigre no seu tanque!”, slogan da Esso), Gossage foi brutalmente honesto:
“Se você estiver na estrada e vir um posto Fina e ele está do seu lado, então você não precisa fazer o retorno e não há seis carros na fila e você precisa de gasolina ou algo assim, por favor pare aqui”.
O restante da campanha foi baseado na criação do “Ar Rosa”. Gossage fez com que pessoas normais, que não têm nenhum interesse em postos de gasolina, escrevessem para a revista para pedir os balões de “ar rosa, o aditivo do futuro” (eles recebiam um balão rosa). Ele criou campanhas para Fina em que os vencedores ganhavam uma rua pintada de rosa. Com isso ele queria que o público entendesse que qualquer papo a respeito de aditivos era bobagem. Acreditar nisso era como acreditar em um “ar rosa”. Acontece que ele tornou isso tudo mais concreto ao envolver as pessoas em algo interessante e divertido (as crianças queriam os balões rosas e as donas de casa queriam a rua pintada de rosa).
A lição aqui, para todos nós, é “deixe espaço para o rato”. Esta era uma das frases favoritas dele (“quando armar uma ratoeira [os anúncios], deixe espaço para o rato” [o público]). Penso que é a chave para compreender como ele tornou a sua publicidade interativa décadas antes de existir a Internet. Ele tinha seus truques – o concurso divertido, o pronunciamento meio sério e, claro, o cupom pedindo que você enviasse contando um pouco de si mesmo junto com seu nome e endereço. Tudo funcionou de uma forma silenciosamente espetacular.
Howard compreendeu a importância de ser interessante e envolvente sem posar como a pessoa mais inteligente e criativa da sala, mas com a generosidade de espírito para convidar o consumidor a dar a sua própria contribuição – uma oferta que muitas vezes aceitaram.
As respostas aos cupons e concursos de Howard foram transformadas em livros – sim, livros. O mais famoso dele sem dúvidas é “O Grande Livro Internacional dos Aviões de Papel”, com participações brasileiras, inclusive.
Howard Gossage foi contratado pela Scientific American, uma revista de ciência, para aumentar a quantidade de publicidade que a revista recebia das contas das companhias aéreas. O que ele fez foi criar um movimento internacional de competição de aviões de papel (usando muitas e muitas vezes páginas da própria revista). Milhares e milhares de pessoas do mundo inteiro enviaram seus projetos para desenvolver o melhor avião de papel, explicando todo o conceito da aerodinâmica e qualidade e gramatura do material. Deixe espaço para as pessoas participarem do seu marketing.
Para persuadir as pessoas, ele inventou uma história irônica sobre os desenvolvimentos no design de motores Boeing e Lockheed. A empresa então confessou que esses designs haviam sido imitados por designers amadores de aviões de papel décadas antes: “Não pretendemos questionar os homens da Boeing e da Lockheed ou a sua utilização de formas tradicionais, mas parece-nos injusto que vários milhões de designers de aviões de papel em todo o mundo não recebam o devido crédito”.
O anúncio conseguiu 11.000 inscrições para a competição de 28 países. A história foi coberta em todos os principais jornais e canais de TV nacionais dos EUA. A American Airlines até forneceu aos passageiros das companhias aéreas formulários de entrada e papel para a criação de designs durante o voo. Como resultado, a Scientific American começou a observar um aumento nas reservas de anúncios de companhias aéreas.
A publicidade de Gossage parecia e soava melhor do que outras porque ele pretendia atrair o seu público a um nível mais elevado e de uma forma mais pessoal. Ele também acreditava que sua primeira lealdade era com o público, não com o cliente ou agência. Algo que é bem difícil para os clientes entenderem hoje. Eles não parecem entender que nós somos contratados para resolver os problemas do público, dos clientes dos nossos clientes. Muitas vezes isso não acontece porque nós mesmos não dizemos no que acreditamos. Porque fazemos as coisas desse jeito e porque, já que eles nos contrataram e nós somos os especialistas, eles deveriam nos ouvir.
“Explicar responsabilidade para um marqueteiro é como explicar para uma criança de 8 anos que sexo é mais divertido do que um sorvete de chocolate”
Howard acreditava que o poder que temos para comunicar e persuadir também era uma responsabilidade – uma responsabilidade com um propósito maior. Você acha que o sucesso de um Ícaro de Carvalho ou Ítalo Marsili não tem nada a ver com o propósito maior ao qual eles atribuem seus esforços? Como a conversão religiosa e proteção da família?
Se isso parece muito para você, que tal salvar o planeta com Amigos da Terra? Howard fez isso. Mas antes tentando evitar que o Grand Canyon fosse inundado para ganhar dinheiro com turismo. É sério. Agora parece ridículo, mas na época tentaram inundam toda aquela formação maravilhosa para botar uns barquinhos. Gossage achou aquilo terrível, como qualquer pessoa normal, e escreveu anúncios que acabaram por criar o movimento ambientalista.
A headline era perfeita:
“(Se eles podem transformar o Grand Canyon numa máquina de fazer dinheiro, algum parque nacional está seguro? Você sabe a resposta”)
Agora você pode impedir o Grand Canyon de ser inundado… por dinheiro”.
E uma longa copy explicava todos os fatos para o público. Será que é preciso de um Howard Gossage para salvar nossos museus? Porque eles não vão se salvar sozinhos ou apenas com (pausa para desespero seguido de risos) a boa vontade dos políticos.
Quando o público falhava em compreender a gravidade do problema, ele fazia comparações inteligentíssimas, como essa para a mesma campanha:
“Deveríamos inundar a Capela Sistina para os turistas chegarem mais perto do teto”?
Como você sabe, Michelangelo deu duro para pintar o teto. Será que deveríamos inundá-la para o pessoal ver mais de perto? O ridículo da situação e o prestígio da comparação (Grand Canyon = nossa Capela Sistina) faziam as coisas acontecerem mais rápido e melhor.
Os anúncios atraíram tanta gente que acabou criando o movimento ambientalista. Gossage deu um nome a esta nova organização – Amigos da Terra – e uma base na sua agência. Na verdade, a partir das duas salas que Gossage forneceu gratuitamente, a Friends of the Earth tornou-se a maior organização ambiental de base do mundo, com 5.000 grupos ativistas locais e o número combinado de membros e apoiantes é superior a dois milhões.
Como eu disse no início, talvez você não tenha ouvido falar de Howard Gossage. Mas você já ouviu falar de Friends of the Earth e, se estiver envolvido em algum tipo de ONG, sem dúvida você usou muitas das ideias de publicidade de defesa de direitos nas quais ele foi pioneiro.
Outro pioneirismo que você deve notar é que seu estilo de escrita é sempre muito pessoal. Depois de um tempo, você sabe que foi ele que escreveu. Certa vez ele disse que não sabia falar com todo mundo, só com alguém. A palavra interessante que existe é ‘falar’, ele considerava a boa publicidade como o “início de uma conversa fascinante”. Não é isso que cansamos de ensinar no “digital”? Criar “relacionamentos”?
Mas isto não deveria ser surpreendente, dado que grande parte das teorias que discutem a diferença entre comunicação analógica e digital surge em São Francisco, em particular com o trabalho de Norbert Wiener, o matemático e filósofo que cunhou o termo cibernética para descrever a natureza do feedback da era digital.
O antigo modelo de comunicação era passivo: remetente, meio, mensagem. Mas Wiener previu como as máquinas transformariam as comunicações como um processo de interação: “Eu mando algo para você, você por sua vez me manda algo de volta e isso, por sua vez, desencadeia outra comunicação para seguirmos em frente juntos”.
Gossage tentava instintivamente simular esse processo em sua publicidade. Ele também entendeu que para as pessoas responderem, a mensagem original tinha que ser muito mais interessante do que a publicidade convencional. Sem isso ele não conseguiria ter sucesso em promover causas sociais que considerava importantes.
Para isso ele estava disposto até a perder dinheiro, coisa impensável para marqueteiros. Tentando impedir a Guerra do Vietnã, Howard estava na vanguarda do movimento anti-guerra, quaisquer que fossem as consequências comerciais. Ele apoiou a revista Ramparts e uma ampla gama de ações de protesto de esquerda, mesmo tendo um posicionamento conservado e elitista várias e várias vezes (sua mulher acha que ele era agente da CIA).
Com os seus anúncios para a Land Rover, ele trabalhou para que as pessoas usassem cintos de segurança décadas antes de Detroit, centro da indústria automobilística americana, considerar as vidas dos seus motoristas em sua equação de negócios.
Mesmo suas pequenas boas ações tiveram consequências consideráveis. Ele ajudou uma pequena estação de rádio clássica a permanecer no mercado inventando o moletom Beethoven em parceria com sua conta de cerveja Rainier Ale. Ele se preocupava em ser lembrado por isso.
“Seja o primeiro intelectual do seu bairro a ter um moletom do Beethoven, Brahms ou Bach”.
A ideia partia de um problema simples: como você sabe que as pessoas gostam de música clássica na vida cotidiana? Elas não têm como mostrar isso. Não há nada distinto, exceto um moletom, que ao mesmo tempo sinaliza a sua cultura e a sua humildade. Música clássica também é música do povo.
O patrocínio em boa parte veio da parceria com a cervejaria Rainer Ale, que deixou tudo mais verossímil ao trazer um item do povo e um treinador financiado pela cervejaria, o Coach Stahl, que usava o moletom em maratonas. Assim eles salvaram a pequena rádio de música clássica da falência.
Nem só de elitismo vivia Gossage. O ar de meados da década de 1960 em São Francisco estava impregnado não apenas de cannabis e outras drogas, mas também de indícios da era digital de crowdfunding e outras formas de os artistas sobreviverem sem gravadoras, 40 anos antes da internet.
A cidade já era o lar do Grateful Dead, o grupo de rock pioneiro e cult que incentivava os fãs a gravar shows e trocar fitas. Gossage desenvolveu com eles uma lista de “mala direta” (pense em pegar o email e fazer uma oferta, como é hoje) para venderem ingressos diretamente para os fãs. Ele sacou que a grana na música não vem dos CDs, ou vinis na época, mas dos shows.
A banda construiu seu modelo de negócios com base em shows ao vivo, em vez de vendas de álbuns, cultivando uma comunidade ativa, colaborando com seu público para co-criar um estilo de vida hippie, distribuindo conteúdo 'freemium', sendo assim pioneiro em muitos dos conceitos de marketing que agora associamos a era digital.
O Sócrates de São Francisco também deu um lar ao Catálogo Whole Earth. A publicação foi descrita por Steve Jobs como sua ‘bíblia’ enquanto crescia e o equivalente ao Google 30 anos antes de sua chegada. Gossage estava fortemente envolvido na vida artística e intelectual da cidade.
Se parece coisa insignificante para você (você ainda se lembra de que ele ganhava meio milhão de dólares por campanha?), saiba que a maior parte do que você aprendeu na escola e na faculdade de comunicação vem do Marshall McLuhan.
Você acha que esse professor canadense obscuro se tornou uma figura obrigatória para entender a mídia da noite para o dia? Que ele publicou uns artigos e “de repente” a coisa pegou?
Howard Gossage leu seu livro e disse entender o que ninguém parecia ter entendido. Segundo sua esposa ele estava no meio da noite lendo e começou a gritar:
Eu entendi! Eu entendi o que ele quis dizer! Mas ele está escrevendo como se o público tivesse o contexto na cabeça, mas ele não tem. Eu vou resolver isso!
Então ele de alguma forma conseguiu falar com o McLuhan e perguntou “O senhor quer ser famoso?” Os falsos tímidos diriam que não, mas McLuhan era um verdadeiro tímido, portanto um narcisista, e disse “Seria maravilhoso, Sr. Gossage!”. E assim foi feito. Palestras e mais palestras para a alta sociedade nova-iorquina, artigos em revistas populares, enfim, “conteúdo”.
A ideia principal do seu livro mais famoso, “Os meios de comunicação como extensões do homem”, publicada em 1964 em inglês como Understanding Media, era a de que o impacto da tecnologia no indivíduo era tão profundo que o conteúdo se tornava quase irrelevante em comparação com o meio através do qual era transmitido. Ou seja, se você ler exatamente esse mesmo conteúdo num livro, você vai percebê-lo de forma diferente. Se eu estivesse falando isso num palco, de outra e assim por diante.
Gossage compreendeu que por causa disso estávamos entrando numa época em que os generalistas seriam os únicos capazes de compreender as mudanças que ele intuitivamente sentia que estavam a caminho. Ele acreditava que, para compreender a nova era, precisávamos sair da nossa própria área especializada e levar em conta o mundo mais amplo para nos comunicarmos melhor.
A terceira lição pela qual seu trabalho merece ser lembrado e estudado é que ele foi indiscutivelmente o primeiro e inquestionavelmente o mais vigoroso defensor do marketing com propósito ou ativismo social.
Entenda aqui “ativismo social” como tudo aquilo que você acha que é importante promover, além de bife e batata frita. Eu, por exemplo, quero que mais pessoas se dediquem ao estudo de línguas ou à pintura ou aos exercícios físicos ou à obra do Howard Gossage. É um tipo de “ativismo social”. O termo incomoda porque parece que você é comunista, mas se você quer mudar algumas coisas, você precisa dos outros e da ação deles. É ativismo social. Não seja vítima do narcisismo das pequenas diferenças.2
Ele passou a adotar essa posição a partir de duas vertentes diferentes de seu pensamento. A primeira foi a sua profunda desconfiança em relação à ética e à moralidade da publicidade.
Para ele, a publicidade incentivava um consumo desenfreado e foi um dos primeiros defensores da limitação do consumo: “deve haver alguma perspectiva mais otimista do que consumir mais para sempre”. A ideia de que precisamos criar conteúdos e produtos para manter as pessoas “viciadas” neles seria algo que ele provavelmente criticaria em longos artigos.
Além disso, ele apontava que os anúncios destruíam a beleza das cidades. Ele acreditava que o outdoor era um obstáculo na paisagem: “Gosto de outdoors, só não gosto deles ao ar livre”.
Essa postura tambéms se aplicava ao modo como os clientes pagavam as agências, que ele considerava imoral. Ele não gostava do sistema de comissões, que era o principal método de pagamento na época. Esse sistema era bem parecido com o que algumas pessoas trabalham no mercado digital, em que a agência ganha proporção ao que o cliente gasta. A pergunta não é “quanto custa para fazer um lançamento?”. A pergunta é “quanto você tem para fazer um lançamento?” Assim podemos cobrar uma porcentagem do seu orçamento. Ele trabalhava apenas mediante pagamento fixo e estava preocupado com a dependência da mídia das receitas publicitárias. Para ele, se o anúncio é bom, todo mundo deveria trabalhar e gastar menos e ganhar mais. Não aumentar o custo infinitamente, como se gastar 5x mais trouxesse 5x mais lucro (não é assim).
Flahoolick
A sua segunda vertente é o que ele chamou de Flahoolick. É uma palavra irlandesa que Howard descobriu enquanto viajava na Irlanda pelas Destilarias de Uísque Irlandês e significa “exuberância principesca” ou “Dar, ser e estar com generosidade”.
É aquela generosidade que faz de cada festa uma celebração da vida, de cada momento, de cada dia, de cada almoço e jantar uma celebração de amizade e amor. Howard Gossage vivia assim. Ele acreditava que todo homem deveria se sentir confortável ao se envolver na tarefa necessária de redimir o mal do mundo através do seu trabalho.
Você consegue fazer isso. Desfrute de um longo almoço com bons amigos. Prepare um jantar com as melhores mentes que você conhecer em torno de uma mesa e espere com generosidade para ver no que isso vai dar. Redescubra a alegria de fazer coisas sem esperar nada em troca.
Escreva algo que valha a pena colocar o seu nome. Publique. E veja o que acontece. Foi assim que Howard se tornou o melhor amigo de John Steinbeck, Leopold Kohl, Buckminster Fuller e dezenas de outras pessoas interessantes da época. Foi assim que eu me tornei amigo de várias pessoas importantes no mercado. É assim que eu escrevo essas longas newsletters e produzo os melhores materiais que eu puder.
Estas coisas estão disponíveis para todos nós – esperando para enriquecer as nossas vidas e as vidas daqueles que nos rodeiam. E não hesite por algum motivo bobo, como se ninguém estivesse pagando por isso. Ainda.
Lembre-se de que Howard deixou São Francisco para passar um semestre bastante singular lecionando na Penn State. Ele entendeu que a educação, que alcançar um significado e um propósito mais elevados, era algo que até mesmo um marqueteiro poderia fazer.
A educação em marketing pode fazer com que alguns alunos conheçam práticas de negócios, para ver como os melhores e mais bem informados profissionais tomam decisões lucrativas. No entanto, só através de uma compreensão muito mais ampla das coisas em geral, de uma atuação como um excelente generalista, é que a natureza e os valores das práticas empresariais poderão melhorar.
Eu espero que no final desse texto você aceite com generosidade o que Howard Gossage tem de melhor e que ele possa enriquecer sua vida e a vida daqueles a quem você ensina da mesma maneira que enriqueceu a minha e a dos meus alunos.
Essa é a minha esperança. A mesma de Gossage quando disse que “A propaganda precisa voltar a ser algo de gente grande”.
FLAHOOLICK!
Na pandemia, dezenas de influenciadores rogavam aos seus alunos para que não vendessem nada até que ela passasse por caridade. Fizeram lives dizendo o quanto era importante ter um olhar humano e menos capitalista. E então venderam seus cursos logo em seguida.
René Girard chama de “narcisismo das pequenas diferenças” a tentativa de se distinguir dos seus rivais e inimigos com coisinhas. “Não, nós aqui na direita não fazemos ativismo social. Isso é coisa de esquerdista” (enquanto enta promover ideias, autores e comportamentos para os outros). Como dizia Edward Bernays, “quando somos nós, é educação; quando são os outros, é propaganda”.