Os poetas imaturos copiam; os poetas maduros roubam — T.S Eliot
“De onde você tira suas ideias?"
Quase todo mundo que eu conheço já me perguntou ou vai me perguntar isso e eu vou dar sempre a mesma resposta: eu tiro ideias de todos os lugares.
Veja como escrevi o meu último romance, “Harry Potter e a Pedra Mágica”, que será lançado em 2024.
Certa manhã eu estava mexendo no celular enquanto deveria tomar café quando vi no meu feed um desenho de uma varinha encantada. A inspiração baixou dos céus como um míssil em mim e de repente toda a história surgiu na minha cabeça. Comecei a fazer anotações quase por uma inspiração psicográfica e só parei quando o suor pingou na última página.
Era como se todo o enredo se escrevesse com a mesma mágica do meu protagonista, Harry Potter, que pode no livro mover objetos, atravessar paredes no metrô e voar de vassoura.
Como artista de obras ou da própria vida, o segredo é permanecer aberto ao universo. Você nunca sabe o que pode inspirar você.
A mesma coisa aconteceu comigo quando escrevi a minha franquia “Batalha nas Estrelas”.
Eu estava jogando bolinha de gude com meu sobrinho quando ao acertar com força as bolinhas dele (sem piadas, ok?), imaginei nas faíscas do vidro (vidro solta faísca?) milhares de naves espaciais lançando lasers umas nas outras porque o vilão quer conquistar o universo e o mocinho não sabe que é filho do vilão.
O segredo, como eu disse, é estar aberto às ideias… dos outros.
Isso é plágio?
Na última semana, eu me envolvi em uma pequena querela entre amigos que vivem do do seu trabalho intelectual na internet. O centro da acusação era o plágio de um pelo outro. Não foi a primeira nem última vez que eu vi isso acontecer.
É tão fácil acessar e reproduzir o conteúdo de outra pessoa na internet que, honestamente, é possível construir um negócio apenas traduzindo conteúdo de outras pessoas fingindo que são seus.
Uns poucos vão perceber, mas não serão o suficiente para destruir a sua reputação. A maioria ficará até feliz já que mal sabe português e não tem vontade nem tempo de ler e aprender essas coisas. Falando bem baixinho aqui entre nós: a maioria nem confia em si mesmo para entender o que está escrito no papel.
Mas me adianto. Volto ao evento que deu origem a essa edição.
O caso ao ser exposto em um grupo de centenas de pessoas gerou uma discussão a respeito de noções fundamentais, como se existe originalidade, o conceito de autoria, a imoralidade da cópia e se é útil ou ético imitar os outros.
Todos nós devemos lidar com essas perguntas hoje pois está a cada dia mais fácil acessar e reproduzir o conteúdo dos outros a ponto de você se questionar se vale tanto o esforço para tentar criar qualquer coisa nova quando é mais fácil esperar algo virar moda e você só copiar…
Como sempre foi
A ideia de plágio é antiga. Gregos e romanos condenavam o plagiator, o plagiador, aquele que copiava as obras dos poetas, filósofos e outros professores e as apresentava como dele.
Ésquilo, por exemplo, 2.500 anos atrás processou um outro grego por ter usado suas obras para bancar o dramaturgo. Plágio aí era a cópia literal do material de um assinado por outro. Ainda hoje poderíamos dizer que esse é o caso mais comum e indefensável. Porém já vamos ver que há quem discorde.
Miguel de Cervantes no século XVII teve esse mesmo problema quando lançou Dom Quixote. Sofreu tanto com o sucesso que um fã achou que ele estava demorando demais para lançar a segunda parte do livro e resolveu ele mesmo escrevê-la com o nome “Alonso Fernandez”. Em vez do processo, ele satirizou esse plágio.
O Quixote é uma obra interessante para usar nesse assunto porque o próprio Cervantes se baseia em romances de cavalaria, no “Peregrinação” de Fernão Mendes (uma obra que merecia série) e outras fontes, mas é considerado “o primeiro romance moderno” por sua “originalidade”.
Jorge Luis Borges escreveu um conto que todo mundo na faculdade de Letras é obrigado a ler para discutir essas questões de originalidade e versão porque trabalhamos muito com “traduções”, cópias autorizadas, e os tradutores se sentem como autores de segunda categoria canibalizando o texto dos outros.
Enfim, o conto se chama “Pierre Menard, autor do Quixote”. Como vocês sabem, Pierre Menard não escreveu Dom Quixote, mas Borges gosta de escrever ficção usando recursos de não-ficção para demonstrar como é frágil essa divisão.
No final do conto fica claro que ele vê o Quixote como uma obra coletiva, uma matriz que gera outras obras e aí talvez resida a originalidade dela. Não em criar algo novo, mas em assimilar o passado e abrir novas possibilidades para o futuro:
Refleti que é lícito ver no Quixote "final" uma espécie de palimpsesto, no qual devem transluzir-se os rastos – tênues, mas não indecifráveis […] "Pensar, analisar, inventar" (escreveu-me também) "não são atos anômalos, são a normal respiração da inteligência. Glorificar o ocasional cumprimento dessa função, entesourar antigos e alheios pensamentos, recordar com incrédulo estupor o que o doctor universalis pensou, é confessar nossa languidez ou nossa barbárie. Todo homem deve ser capaz de todas as idéias e suponho que no futuro o será."
Imagine que uma das maiores obras da humanidade foi escrita ou reescrita por outra pessoa1 . O que isso muda? Se você pudesse ser essa pessoa autêntica e original e qualquer outro adjetivo maneiro que você quer ser, mas não pudesse assinar as suas obras com seu nome? Você mesmo assim as faria? Não precisa responder agora. Eu creio que desejamos a glória da autoria. Não queremos ser mais um “autor desconhecido” na playlist do Spotify.
Embora a prensa de Gutenberg tenha aliviado bastante a Síndrome do Túnel do Carpo dos monges copistas, foi só no século XIX que surgiu o “autor” como conhecemos hoje: um artista de tal editora que ganha mal para escrever um livro apenas para aquela editora e não outra.
Faz sentido: a editora arcou com os custos de financiamento da obra e do alcoolismo do autor, ela revisou a obra e soltou o autor da cadeia, ela distribui a obra e, com sorte, divide algum lucro com o autor. A última coisa que ela quer é que outra editora venha, pegue o arquivo pdf do livro e imprima todo esse trabalho e compita pelos lucros (pequenos) por uma fração do esforço.
As indústrias da música, das artes e da moda dependem de que seus artistas sejam exclusivos porque assim podem monopolizar os lucros de suas obras. Por outro lado, se todas as editoras pudessem publicar esses livros as obras seriam mais lidas. É o caso da maior parte das obras que estão em domínio público. Qualquer um pode usá-las como bem entender. É do povo.
Isso dá o que pensar, não? A cópia ajuda a disseminar as obras — como é o caso da pirataria. Mesmo no caso do plágio, a obra plagiada vai mais longe porque há mais pessoas reproduzindo a mesma coisa e tendo contato com essa mesma ideia.
“Pensando bem, Rafael, não estou nem aí se vai ter meu nome nisso. Só quero receber”
Bom, leitor que pensa alto, eu também acho que trabalho precisa ser remunerado. O plagiador rouba essa remuneração para si quando finge que é o autor da obra. É isso ou ele na verdade demonstra o quanto a sua ideia tem valor para outro público? Talvez roube um “possível” faturamento? Se alguém pegar um texto meu e apresentar para outro público e esse público criticar e odiar o texto, eu vou ficar aliviado porque o plagiador se ofereceu sem pedir como boi de piranha.
Mas e se dá certo? Se ele faz dinheiro e fama? Então plágio só é plágio se dá dinheiro? Ou incomoda mais se não tem o meu nome?
A noção de obra como algo de um único e exclusivo indivíduo é recente. Para Borges, depois que você botou a obra no mundo ela é do povo. Mas não morra de literalidade. Borges ainda recebia os royalties pelas vendas dos seus livros. O que ele quer dizer é que a influência de um conteúdo no mundo é impossível de ser rastreada e mesmo impedida. A obra vira algo coletivo. Não é uma situação estranha para nós do marketing, não é?
Na Renascença, no ateliê de grandes mestres, como os de Leonardo Da Vinci , Michelangelo e Rafael (nome é sina), as obras eram coletivas. O mestre levava o crédito, claro, mas todo mundo sabia que eles não tinham feito tudo sozinhos. Aliás, às vezes o mestre não fazia nada. Só mandava e observava e ainda sim era o autor. Não é essa a mesma situação do marketing digital? Lançamentos exigem às vezes dezenas de pessoas, mas parece que o especialista fez isso tudo sozinho. Sempre vai ser assim.
Mas tudo isso não quer dizer que devemos aceitar alguém usando o nosso esforço sem dar créditos. Ninguém aí nessa época aceitou outro concorrente meter a mão no seu trabalho e sair por aí dizendo que é dele. Não porque era ilegal (não era), mas porque era imoral. Só que um professor americano tem uma opinião diferente.
Plágio não é um problema moral?
Stanley Fish há mais de uma década escreveu um artigo no The New York Times que todo estudante universitário foi obrigado a ler. Nesse artigo, ele defendia que o “plágio não é um problema moral”.
De um jeito um pouco esquisito para nós mas comum para os desconstrucionistas2 ele defendia que plágio era mais uma questão institucional, um acordo social para que cada um que faça ou tenha as suas coisas com seus nomes e punir os que não entendem essas regras.
Na Universidade, diz ele, os alunos não sabem exatamente o que podem pegar dum livro e portanto aprendem que não poderiam responder a uma questão de prova copiando um trecho do livro, mas sim usar as suas palavras. Por assim dizer, o objetivo da prova não é saber se você consegue achar a resposta certa, mas se você é capaz de explicá-la. Mas por que usar as minhas palavras se as do autor já são tão boas e talvez até melhores? Porque a faculdade é um jogo em que você demonstra aptidão de obedecer às regras. Logo, diz ele,
Se você é um jornalista profissional, ou um historiador, ou um filósofo, ou um sociólogo ou um cientista, o jogo que você joga para viver é sustentado pelo valor pressuposto de originalidade e pela falha em dar crédito adequado ao trabalho dos outros.
Mas se você é um músico ou um romancista, os limites são menos claros (embora certamente existam alguns) e se você é um político, pode não lhe ocorrer, como não ocorreu em nenhum momento com Joe Biden, que você está fazendo algo errado ao se apropriar do discurso de um estadista reverenciado.
O Sr.Fish tem um bom argumento mesmo: algumas pessoas podem plagiar mais do que outras que ninguém liga. No marketing de resposta direta ou tráfego frio parece que existem outras regras para o que você pode copiar. Inclusive algumas pessoas não acham isso lá um grande problema. Elas dizem “nada se cria, tudo se copia” como se não precisassem justificar mais nada perante quem elas copiaram, Deus e o Estado Brasileiro quando receberem uma intimação minha.
Na política de fato as pessoas não ligam muito. Talvez porque ninguém espere algum pensamento original de um político. Você ficaria bravo se o Bolsonaro plagiasse o Olavo de Carvalho? Acredito que o próprio Olavo em carne ou espírito não ligaria e acharia até bom.
Mas no marketing de conteúdo, com a cara do especialista, certamente ligam. Por quê?
Todo mundo quer ser único, mas ninguém quer ficar sozinho
Nada ofende tanto na vida adulta quanto não ser original. Experimente dizer para seu cunhado que ele está “copiando” fulano ou que a sua irmã faz tudo o que a melhor amiga dela faz. Conscientes ou não, queremos ser reconhecidos por “quem realmente somos”, isso quer dizer, por nossa originalidade individual.
No seu perfil no Instagram ser chamado de “copião” é um jeito garantido de causar insegurança no influenciador.
Mas há motivo para se sentir tão ofendido assim?
Quando crianças dizemos sem a menor vergonha que queremos ser como nossos heróis. Nos vestimos como eles e ficamos felizes quando os adultos dizem que estamos “iguaizinhos” ao Goku de Dragon Ball Z, exceto pelo tamanho, músculos, cabelo e rosto. O que muda quando você faz 20 anos?
O desejo de originalidade pressupõe uma ideia de “origem”, de que você é a fonte dos seus próprios pensamentos e desejos. É o que o René Girard, o teórico francês do mimetismo, chama de “mentira romântica”. Não à toa os românticos são os modelos para tudo aquilo que achamos “original” nos autores e empreendedores.
Imagine a pessoa mais original do mundo. Ela provavelmente é um misto de Lord Byron, Picasso, Einstein e Steve Jobs. Parecem que eles fizeram tudo sozinhos de um jeito bem sexy. Eles surgem como esses heróis solitários que mudam o curso da história. Claro que isso é tudo mentira.
Nos acostumamos com a “jornada do herói” porque ela conta uma mentira de um jeito bem lisonjeiro: a ideia de que você é o protagonista da história da humanidade e todo o resto é coadjuvante ou paisagem. “O sucesso é solitário”, que é uma dessas frases que contém tanta ingratidão que você pode socar a pessoa que disser isso que ela nem vai perguntar o motivo. Ela sabe que merece.
A originalidade no sentido de “nunca houve nada assim antes” é uma ilusão como a do jornada do herói. É gostoso acreditar nela, mas ela não existe. Para falar a verdade, nem a “cópia” existe no sentido de “exatamente igual”, não é?
Digamos que você tente copiar um conteúdo americano — sempre é americano, tem que ser americano! Mesmo que você só traduza e até use a mesma identidade visual, não será “idêntico”, porque falta a identidade associada àquele conteúdo. Você não pode ser a pessoa que você copia e por isso aqueles que sabem quem você está copiando vão te ver como uma versão do Paraguai da versão original.
A cópia nesse mercado só é eficaz se for de alguém distante, longe dos holofotes3 porque do contrário a sua reputação está em risco. Você beneficia mais quem você copia do que você mesmo.
Por outro lado, não é como se eu e você nunca tivéssemos copiado os outros. Tudo o que você faz depende de que alguém te forneça os meios para isso de alguma forma. Por exemplo, é impossível você escrever o seu poema original sem antes aprender a língua na qual ele será escrito e você não inventou essa língua. Só essa influência já é incalculável. E como escrever um “Poema” sem antes saber o que é um “Poema”? Você terá de ler outros poemas. Assim, “original” nesse sentido absoluto só Deus. Todo o resto é imitação.
Originalidade no sentido relativo, porém, existe sim. Hoje os millennials chamam isso de “remix”. Existe um jeito original de combinar as suas influências a fim de produzir um material novo. Borges defende exatamente a mesma coisa. Não livre de influências. Novo, ok? Não quer dizer que são boas também. Quer dizer, aquele tipo particular de combinação ainda não tinha sido visto naquele contexto. Um remix.
Um exemplo meu: eu tenho uma série de “Áudios Vazados”. São áudios que eu mando para amigos ou alunos que de tão bons, segundo eles, eu acabo os tornando públicos. Áudios vazam o tempo todo como você sabe. Mas eu ainda não tinha visto alguém fazer isso como conteúdo e sem a intenção a princípio de “fazer conteúdo”. São coisas que acontecem e eu só aproveito. É “original”? Acho que sim. É bom? Espero que fique. Posso reclamar se alguém me imitar? Absolutamente não. E esse é o erro dos marqueteiros.
Sejam originais, como nós
Assim como Girard vê a “mentira romântica” como uma falsa originalidade, a “verdade romanesca” seria admitir essa influência e lidar com ela sem vergonha (deixo ambíguo de propósito). Porém, no marketing, diferenciação é tudo. Admitir uma influência é vergonhoso porque é como se não fôssemos distintos, originais o bastante, para sermos seguidos.
Ser imitado é terrível porque é como se criássemos concorrentes com nosso próprio sucesso. Pior: nada impede que concorrentes com mais tempo, mais dinheiro e mais equipe te imitem. Nenhuma originalidade pode te proteger disso.
Falo com propriedade: fui uma das primeiras pessoas a ter um curso de IA e agora outros players maiores imitam a minha página, os meus temas etc. Não é legal, mas você pode esperar que assuntos importantes para você sejam importantes para os outros sem que eles imitem o seu desejo? É para se sentir culpado pelo próprio sucesso? É como se Jesus processasse os discípulos por saírem por aí usando as ideias dele sem autorização.
No nosso caso, o aluno pagou por isso4. Pagou para aprender a fazer alguma coisa como você faz. É uma contradição pedagógica, é verdade, porque você deveria ser pago para ensinar o aluno a fazer as coisas DELE. Mas o marketing que usamos é o contrário. Dizemos: seja como eu fazendo como eu. Não seria bom assumirmos a nossa parcela de culpa?
Esperar por qualquer coisa diferente disso é sofrer à toa, porque não é essa a questão. O problema do plágio não é o empréstimo do trabalho de outra pessoa, mas essa falta de reconhecimento do trabalho dela. O plagiário é um enganador5. Um ladrão de identidades. É o mesmo problema de um produto pirata que tenta se passar por original. Se o pirata diz que a bolsa da Gucci que está te vendendo é uma “cópia”, tudo bem. Não há engano. Mas se você compra uma original e recebe uma pirata, você tem todo o direito de processar a loja porque ela tentou se passar por algo que ela não é.
Por isso você não pode correr esse risco e precisa ler com atenção o meu manual de pirataria a seguir:
Como copiar na internet
Cópia
A cópia é o fenômeno da pirataria. Você reproduz sem a autorização de outra pessoa o conteúdo dela, dando a entender que é original.
No marketing digital é incomum, já que o propósito de pegar o conteúdo dos outros é ganhar prestígio com aquilo.
Eu diria que o mais próximo que chegamos disso é aquele conteúdo de “react” em que o influenciador fica fazendo caras e bocas, mas nunca fala nada, enquanto passa o vídeo. Só fica lá concordando com a cabeça. Embora isso não seja uma “cópia” no sentido original do termo, é um jeito de você não fazer nada a não ser difundir aquele conteúdo com o seu rosto nele. É o “free rider” da economia. O peso morto. Ele não tem nada a dizer, só a aparecer. No entanto, não podemos negar que, quando o conteúdo é bom, ele presta um serviço público ao tornar aquele vídeo mais conhecido. Raramente esse é o caso. Não recomendo.
Plágio
É tentar se passar pelo produtor de conteúdo. Aqui você toma o conteúdo integral ou parte dele, muda uma coisinha aqui ou ali e finge que é seu. Não é “modelar” se é possível ver só coisa do modelo no seu conteúdo. Não há nenhuma contribuição relevante da sua parte. Você só mudou o suficiente para que a fonte não seja identificada com mais facilidade. Não recomendo também.
Falsificação
A falsificação é o contrário do plágio em vários sentidos. Na falsificação você cria algo original e atribui a outra pessoa mais importante. Não é cópia porque você não tenta reproduzir algo que já existe, mas tenta inventar algo novo sob um nome mais relevante.
Nas artes plásticas isso é bem comum. Em qualquer coisa cara na verdade. Você precisa se manter anônimo e não ganha nada a não ser dinheiro com isso. Isso não soa como qualquer trabalho em agência de marketing? Ainda sim, não é plágio. O plagiador não quer só dinheiro, ele quer a identidade do outro, ele quer ser como a outra pessoa. Por isso nos incomodamos tanto quando alguém nos imita. Ele mais do que roubar algo que nós fizemos quer nos roubar quem somos.
Imitação consciente - pastiche
A imitação consciente é quando você sabe o que está imitando e não quer esconder isso. Ao contrário, para quem conhece a coisa imitada fica muito clara a referência. Ela pode ser explícita (você diz que está parafraseando ou imitando tal coisa) ou implícita (é algo conhecido que você pressupõe que seu público conheça, sem a intenção de dar uma joão-sem-braço para camuflar o negócio).
Quando feito com boa intenção é um pastiche, uma homenagem; quando feito com humor ou crítica, é paródia ou sátira.
Por exemplo, olhem esse anúncio aqui:
É um pastiche, uma imitação consciente do famoso anúncio do David Abbott:
É ao mesmo tempo uma homenagem e uma mensagem para quem conhece o anúncio de que eu sei do que estou falando (e fazendo). Se o público conhece, ele imediatamente cria uma afinidade comigo. Agora, eu deveria dizer no anúncio que é uma inspiração? Claro que não. Esse é o tipo de coisa que ou o público pega ou não pega. Explicar demais as referências é como explicar porque as piadas são engraçadas.
Mas eu nem sonho em dizer que isso tudo saiu da minha cabeça ou caso alguém pergunte dizer que fui eu que inventei. Pode parecer desonesto não explicar isso para o público de cara, mas é exatamente isso que significa “público-alvo”: ignorar uns em favor de outros (se você trabalha com marketing e não conhece esse anúncio, você não recebeu nem o básico da sua formação. Não é culpa sua. Quem ensina também não conhece).
Fazer esse tipo de exercício é uma das melhores atividades que você pode colocar na sua rotina para ser mais criativo e ter mais inspiração. Os artistas fazem isso o tempo todo. Eu já dei um exemplo disso aqui e voltarei a falar desse assunto em breve. Só lembre do seguinte: saiba o que é seu e o que é do outro.
Vejam Shakespeare. É um caso em que os estudiosos sabem hoje o que é dele e o que é do outro. Ele não só copiou descaradamente trechos inteiros de outras obras, como praticamente não tem nenhum enredo que seja “original”. Todos eles foram retirados de outras obras, que foram tirados de outras obras, que foram… você entendeu.
Mas na maioria dos casos ele melhorou as fontes. Esse é o objetivo desse tipo de imitação. É possuir num sentido intelectual e técnico aquela referência, tornando-a sua até certo ponto. Shakespeare elevou as suas fontes; nunca foi rebaixado por elas.
Se você abandonar essa ideia de que o original é sempre melhor porque veio antes, e há centenas de provas de que frequentemente esse é o caso, você vai aceitar também que muitas vezes o curso sobre o livro é melhor do que o livro.
Por exemplo, é comum ver em comunidades de marketing a pergunta: é “certo” pegar um livro em inglês e vender aquele conhecimento sob o formato de curso? A questão é: por que seria imoral? A ilegalidade, claro, estaria em você dizer que tudo aquilo é seu. Fora isso, atribuindo a quem merece o devido crédito, qual é o problema? Se pegar de apenas um livro te incomoda, pegue de 10 livros. Pronto.
Copiar de um é plágio; copiar de muitos é pesquisa.
Muitas pessoas acham que um curso precisa ser “original”, saído da cabeça exclusiva do autor e da sua experiência e acham até que se aquilo pode ser aprendido num livro, não vale nada. É uma tendência humana, como já vimos, valorizar a exclusividade e a originalidade acima de tudo.
A alternativa é vender seu curso como se ele fosse então fruto da sua experiência e lá dentro, num ambiente mais amigo, dar as referências. Nada de errado nisso. Mas você precisa referenciar seus modelos. Fingir que você não deve nada a ninguém é ingratidão pura e simples. Não é que você deva isso a eles legalmente falando, mas é que sabe quem age como se não devesse nada a ninguém no marketing?
Os gurus.
Imitação inconsciente - influência
Tirando esses casos, todos nós imitamos inconscientemente diversos autores. É impossível que isso não aconteça porque é assim que aprendemos. Chamamos isso de “influência”. As vozes que habitam um texto e que um ouvido treinado consegue captar. Esse é um dos grandes prazeres artísticos, aliás, ouvir esse coro ao longo do tempo. Perceber a polifonia das grandes ideias em uma obra te insere na comunidade dos vivos e dos mortos que debateram aquele assunto. Ela te tranquiliza: você não está sozinho.
Essa eu não preciso te ensinar, então. É o que você normalmente faz. Em geral, você tende a imitar a última coisa que você leu se você é iniciante. Reconheça isso. Não fique bolado. É parte do processo.
O René Girard em um ensaio sobre esse tema diz o seguinte:
O modelo mimético de inovação [imitação da qual estou falando aqui] é válido não só para a nossa vida econômica [na criação de negócios digitais, por exemplo], mas para todas as atividades culturais cujo potencial inovador depende do tipo de imitação apaixonada que deriva do ritual religioso e ainda participa do seu espírito.
A verdadeira mudança só pode criar raízes quando brota do tipo de coerência que só a tradição proporciona. A tradição só pode ser desafiada com sucesso a partir de dentro. O principal pré-requisito para uma verdadeira inovação é um respeito mínimo pelo passado e um domínio das suas realizações; ou seja, mímese. Esperar que a novidade se purifique da imitação é esperar que uma planta cresça com as raízes no ar. A longo prazo, a obrigação de sempre rebelar-se pode ser mais destrutiva em termos de novidade do que a obrigação de nunca se rebelar.
Respeito mínimo pelo passado e um domínio de suas realizações. O excessivo respeito pelo passado leva ao conservadorismo com formol, uma mumificação cultural. Mas a ousadia sem o estudo da tradição leva a essas plantas com raízes no ar, que é o resultado de muita gente no marketing que não conhece o mínimo sobre a profissão com a qual pretende ter sucesso.
O respeito exagerado leva ao plágio e ao pastiche no máximo. Se você se vê muitas vezes só reescrevendo o passado, te falta ousadia para trazer outras vozes para o seu trabalho; se você não quer estudar a tradição em que você está inserido, suas obras terão a mesma consistência do ar, indo para onde o vento sopra mais forte.
Acredite: um dia você se tornará quem deve ser se você respeitar minimamente o passado e dominar as suas técnicas. Isso é impossível de ser alcançado sozinho. Você é o maestro de um coral de influências. Um maestro que não tem vergonha de admitir que precisa dos outros para realizar a sua obra e que reconhece em cada um o papel que teve em sua vida.
Isso é o máximo de originalidade que podemos ter.
Um filme interessante sobre esse tema é o Cópia Fiel.
Desconstrucionismo para quem tem pressa: defendem a ideia de que não existe “um” sentido para coisa nenhuma, mas vários acordos que mudam ao longo do tempo a respeito do que tal coisa pode significar. O jogo de poder social é descobrir por que tal sentido é o correto e tal outro é o errado. Exemplo do Jacques Derrida, o mestre da desconstrução: o porco é porco por que é sujo ou por que é sujo ele é porco?
Um exemplo disso é o que o pessoal que trabalha com análises simbólicas faz ao usar o conteúdo do Vigilant Citizen. Sim, eu acho que são temas interessantes e plagiar esse conteúdo faz com que ele chegue mais longe. Fazer o quê? Não dá para negar que agora é mais fácil falar desses assuntos por causa desses plágios. É uma das vantagens de ser plagiado por alguém que tem mais audiência do que você. Aliás, talvez devêssemos ser poupados da pretensa originalidade de algumas pessoas na internet.
Sim, há aqueles que nunca pagam por nada e ainda te plagiam. Deixe que eles sofram o destino dos ingratos. Encontrarão gente muito pior na vida.
É esse inclusive o argumento de Platão contra a mímesis, a imitação das coisas: a representação não é o objeto, mas ela pode tomar o lugar do objeto caso fique mais interessante do que ele. É o problema da realidade virtual.
Achei muito bom você escrever sobre isso aqui. Poderei salvar e reler sempre que puder. Muito obrigada.
Sobre o artigo, acho que o que pesa mais é a ingratidão de quem afirma ser “original” e finge que tudo o que faz veio exclusivamente dele.
De fato, a única pessoa original no universo é Deus. Nós, criaturas, apenas tentamos imitar o que já existe.
"Original só Deus."
Bem pontuado. Tudo provém daquele que criou todas as coisas.
Excelente texto!