Trabalho & Devoção
Por que estamos tão cansados?
A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos de obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos”
Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han
E também vós, para quem a vida é furioso trabalho e desassossego: não estais muito cansados da vida?
Assim Falou Zaratustra, Nietzsche
Durante os últimos anos trabalhando no mercado digital eu conheci mais pessoas perdendo a cabeça do que perdendo dinheiro.
Não é como se no mundo presencial as pessoas não pulassem das pontes, mas é que a natureza imaterial do nosso trabalho facilita a insanidade individual e coletiva.
O seu produto está na sua cabeça, não dá para colocar na prateleira para você ou seu cliente admirar o fruto do seu esforço ou investimento.
Os seus funcionários estão nas suas casas e falam com você de vez em quando e quase nunca têm a oportunidade de jogarem conversa fora para terem alguma oportunidade de achar alguém que se importe com eles ou com o trabalho deles. Num trabalho físico, a amizade surge quase sempre de assuntos que não têm nada a ver com o trabalho.
Milhares de pessoas podem ver seu trabalho, seus stories, seus produtos e se sentirem muito satisfeitas e gratas por eles, mas não dirão um “Obrigado” para você se lembrar que há um ser humano do outro lado da tela.
Se você estiver mal da cabeça ou da barriga, ninguém vai saber. Ninguém vai parar e perguntar “cara, você tá bem? Tá meio pálido?”, como pode acontecer na famosa vida real.
O volume assustador e obsceno de dinheiro que pode ser gerado em pouco tempo favorece ainda mais o surrealismo da situação. Você sente que está em posse de um artefato caprichoso, que pode salvar a sua alma ou te afundar na sua lama.
Tudo estimula esse clima onírico de teatro. Não é à toa que os melhores atores levam também os melhores prêmios — e nem se sentem mal por isso, eu garanto.
A única coisa real é o cansaço.
Um denso e permanente cansaço de um trabalho que prometia a libertação do tempo e do espaço, mas que pesa sobre o corpo e a mente como um manto de chumbo.
Muitas vezes sentem um cansaço pior do que seus antigos trabalhos e se perguntam se tomaram a decisão correta. Não se veem como conquistadoras de uma terra desconhecida, mas como imigrantes boiando numa imensidão indiferente e sem terra à vista.
E elas se odeiam por isso. Ainda que frustradas, ingratas ou enganadas, elas sentem que deveriam aproveitar mais a oportunidade que tanto pediram anos atrás.
Por que as pessoas com tantas possibilidades financeiras para se verem livres do trabalho estão tão cansadas dele? E qual é a alternativa para um trabalho com sentido num meio tão cínico e focado no resultado como o mercado digital? Se isolar num convento, “longe desse mundo louco”? Aceitar a pobreza?
Pode parecer um luxo (e é mesmo) discutirmos a natureza do trabalho e do nosso cansaço já que boa parte da história humana foi trabalhar apenas para não morrer de fome. Mas se você não está morrendo de fome, qual é a saída para quem não quer ser monge e gosta de comer?
O que é trabalho?
Você não deveria ficar surpreso se eu te dissesse que a história do trabalho é a história da busca por se livrar dele. Porque é. Da invenção da roda à inteligência artificial, todas as mudanças relevantes de alguma maneira aliviavam um tipo de trabalho ou o exterminavam de uma vez.
Mas, primeiro, o que é trabalho para que eu me livre dele?
É um castigo, como a etimologia da palavra parece indicar1? Algo que fazemos contra a nossa vontade para pagar as contas? Um sinal de justiça? É uma atividade que permite ao ser humano dar expressão aos seus dons e talentos? É uma forma de busca de status e formação de identidade? Trata-se de “gerar valor” para o mundo?
O que eu quero saber é: existe algo especial no modo como trabalhamos? Assim como a física tem uma definição do que é trabalho, temos uma definição humana para o trabalho?
Na Antiguidade, gregos e romanos achavam que trabalhar era a mesma coisa que “servir”, ou seja, uma atividade de escravos. Apenas os cidadãos livres tinham direito de filosofar e de aprender as “artes liberais” ou “livres”. Todos os ricos trabalham porque querem, cada pobre trabalha porque é obrigado.
Diz Josef Pieper em Leisure: the Basis of Culture:
“As artes liberais incluem todas as formas de atividade humana que são um fim em si mesmas; as artes servis são aquelas que têm um fim além de si mesmas, e mais precisamente um fim que consiste num resultado utilitário alcançável na prática, um resultado praticável.”
Daí a distinção de Aristóteles para o “télos” das atividades. Télos em grego é “finalidade”. Para ele, era muito clara essa diferença no que ele chama de atividades “télicas” e “atélicas”. As artes liberais eram artes “atélicas”, pois eram atividades cujo fim era a própria atividade. Um luxo que apenas os desempregados poderiam se dar. Para ele:
“A guerra deve ser em função da paz; a atividade em função do ócio;
as coisas necessárias e úteis em função das belas”.
Toda atividade cujo fim é uma outra coisa que não o ócio, o lazer, é “trabalho”. A ideia de que o trabalho liberta o homem seria uma piada excelente num banquete platônico.
De onde vem essa ideia que levamos tão a sério2?
Talvez de Santo Agostinho, que achava que o trabalho deveria estar acima até das obrigações espirituais, porque podemos sempre achar uma desculpa nobre para não nos sujeitarmos às exigências do mundo. E todo mundo que passou pela escola sabe um pouco da influência católica e protestante na ética do trabalho e do capitalismo.
É daí que vem a fonte das ideias de John Locke, por exemplo, que difunde o a atitude de que o trabalho é a base da criação porque “Deus descansou no sétimo dia para que agora todos nós pudéssemos continuar a sua obra”. Isso poderia ter sido escrito por São Josemaría Escrivá, o padre preferido dos católicos quando o assunto é mão na massa.
Outro protestante, o provavelmente virgem Adam Smith, é da mesma opinião: é pelo trabalho que avaliamos o valor das coisas. Do outro lado político, Marx vai ainda mais longe: é o próprio trabalho que define homem. O homem é o ser que trabalha e por meio do trabalho toma posse do mundo. O trabalho é que vai redimir o mundo. E nisso “trabalho” é tudo mesmo, do trabalho das colheitadeiras até os átomos. Tudo “trabalha”3.
O problema dessas definições, e eu sei e espero que você saiba também que é impossível tratá-las com detalhes aqui, é que elas não parecem dizer o que de fato há de “humano” no trabalho humano. Mesmo na lisonjeira visão católica ou protestante de “continuar a obra divina”, podemos admitir com alguma humilhação que o mundo seguiria seu curso com a nossa extinção terrena. Não há um único peixe que dependaria da nossa vontade para sobreviver.
O ‘trabalho’ que um porco caçador de trufa que um burro de carga faz , por mais nobre que seja, é um trabalho que eles não escolheram fazer. Na verdade, essas são formas de trabalho no sentido de que o animal está tentando realizar algum objetivo concreto, uma atividade “télica”. No caso de um animal bem treinado, como um cão farejador de bombas, ele está simplesmente cumprindo o papel para o qual foi treinado. Parece que algo está faltando.
Também não estou falando de “trabalho” no sentido científico das aulas de física, com a definição que a maioria de nós aprendeu na escola: trabalho é o produto da força e do deslocamento, geralmente medida em joules. Não é isso que quero dizer.
O tipo de trabalho a que me refiro é o trabalho que coloca o seu “eu” num projeto – inteligência, vontade, personalidade, emoção – e o marca com o seu selo único de criação. É um trabalho feito com liberdade e responsabilidade. É o trabalho que as pessoas podem olhar para trás anos depois e dizer: “ EU fiz isso”.
Partilhamos 98,8% do nosso DNA com o chimpanzé, mas eu acho que um chimpanzé nunca trabalhou um dia sequer na sua vida. Porque, na minha opinião, para o trabalho ser humano, ele precisa ser independente, livre e inteligente.
Quer dizer, “livre” é fácil de entender. Se há uma obrigação, como na escravidão ou numa situação econômica trágica em que você precisa aceitar qualquer coisa para não morrer de fome, perde a sua humanidade, como vemos acontecer todos os dias em Bangladesh onde meninas se prostituem para pagar as contas.
A liberdade é um dos principais ingredientes do trabalho humano. Não trabalhamos apenas por instinto, como um porco caçador de trufa; temos o poder de escolher o nosso trabalho, ou pelo menos a forma como o fazemos. Ou deveríamos poder.
Mesmo quando alguém desesperado por dinheiro diz que aceita “qualquer coisa para ganhar dinheiro” raramente é verdade. E no mercado digital, nunca é verdade. Isso vale até para as pessoas que, fora essas situações acima, “pegaram o que apareceu pela frente”, pois sabem que, na pior das hipóteses, podem pedir as contas, se endividar e confiar em Deus ou na sorte. Acho que vem daí o espanto que temos quando alguém larga tudo não tendo nada. Você nunca ficou impressionado com a liberdade de alguém fazendo isso?
"Independência” significa a autonomia que o ser humano tem para realizar certos trabalhos. Quantas pessoas não são subordinadas a humilhações e situações autoritárias por que não têm nenhuma independência no trabalho? Sem independência, não há responsabilidade; sem responsabilidade, não há liberdade. O modo COMO você pode fazer o seu trabalho em vez de seguir um “roteiro” é uma característica central da atividade humana. Um trabalho sem autonomia gera a automação. Se o seu trabalho só pode ser feito de uma maneira, em breve você não vai ter trabalho.
Há também independência no sentido de que há sempre a opção de fazer o trabalho de uma forma única, expressando a personalidade no trabalho por mais rígidos que sejam os controles corporativos. Mesmo que seja pela maneira como uma pessoa interage com seus colegas de trabalho, conta piadas ou oferece apoio. Você já deve ter conhecido alguém de uma linha de produção que conseguia injetar essa flexibilidade nos corredores mais rígidos.
Acho que a ausência do “Eu” no trabalho é geralmente o que queremos dizer quando dizemos que nos sentimos como uma “engrenagem de uma máquina”, ou quando alguém está envolvido no que David Graeber chamou de Bullshit Jobs, empregos de merda. Eles são de merda em parte porque são inúteis. Eles estão abaixo da dignidade de uma pessoa. É uma sensação terrível. Eu mesmo já tive vários. Mas sempre podemos encontrar uma maneira de transformar até mesmo os empregos mais idiotas em algo mais significativo –- porque temos liberdade para isso.
Um trabalho humano é inteligente porque você precisa usar sua habilidade de ler contextos e usar sua criatividade para resolver problemas de um jeito novo com alguma frequência. A partir do momento em que um problema encontra sua solução definitiva e padronizada, acabou o trabalho humano e começou o trabalho da máquina. O que nos apodrece por dentro não é o uso excessivo da capacidade intelectual, mas, ao contrário, o estresse por não termos tempo de bolar uma solução inteligente, o que nos faz buscar as “respostas certas”.
O rapaz gostaria de ter mais tempo para fazer um anúncio melhor, mas ele precisa fazer 52 anúncios em 24h. Ele sabe que se tivesse uma condição um pouco melhor, poderia criar algo bom (ele entrou nessa em parte porque o marketing era o único lugar em que alguém com pretensões artísticas ganha bem). Logo, ele desiste e passa a ver o trabalho como um processo. Ele se mexe, sorri e até come, mas por dentro sobe um cheiro de bolor que o persegue a cada segundo acordado e que ele tenta disfarçar com um perfume de resultados.
Portanto, aqui está uma verdade antropológica básica que gostaria de propor: o verdadeiro trabalho é uma atividade espiritual que é exclusivamente humana.
A Cultura do Cansaço
Pode parecer bem estranho que o último país ocidental a abolir a escravidão no planeta tenha agora uma fixação pelo trabalho duro. Gilberto Freyre conta que por séculos as sinhás chegavam moças, brancas e macias da Europa para satisfazer os maridos na colônia. Em poucos anos, porém, elas ganhavam uma cor amarelada e doente porque ficavam o tempo todo sentadas olhando a atividade da rua pela janela. Nem para pegar um copo d’água elas levantavam. O trabalho aqui também era coisa de escravo. Por esse motivo seus maridos buscavam os corpos mais rígidos e bonitos das escravas.
Porém hoje o brasileiro se acha um vagabundo até encontrar um francês ou um italiano que veem com horror a jornada de 44h semanais de trabalho, 14h de transporte e 1 dia de folga. Os países que mais aceitam brasileiros nos aceitam porque somos um povo acostumado a trabalhar que nem cachorros. Não por sermos poetas e pintores.
Eu acho que o que explica um pouco isso é que temos sonhos de aposentadoria europeia e ética de enriquecimento rápido americano. No marketing digital não percebemos que junto com as técnicas de propaganda importamos também a cultura americana de trabalho.
Lá fora é bem conhecido o fenômeno da hustle culture (ou “cultura da agitação”). É uma “filosofia de alta produtividade e eficiência”. A ideia é estar sempre “em movimento”. É daí que vem seu nome. Todo segundo acordado precisa estar em favor de um objetivo de autodesenvolvimento que possa ser medido com algum movimento. Aqui um exemplo clássico: “Se você passa mais de 20 minutos com o seu filho, você não leva o seu negócio a sério”.
Por exemplo, o meio de “autodesenvolvimento” é cheio disso. A pessoa que entra nessa precisa acreditar que está destinada a algo grande, como Mel Gibson no filme “O Patriota”.
A Hustle Culture estimula um indivíduo a marcar todas as caixinhas que ele acredita necessárias para o sucesso. Essa marcação é feita publicamente. Às vezes, muito publicamente. É comum que eles postem fotos de suas estantes como meio de demonstrar o quão comprometidos eles são com ser inteligentes. Os autores quase sempre são: Tim Ferriss, Dale Carnegie, Napoleon Hill, Simon Sinek, Jocko Willink, Angela Duckworth, Ryan Holiday, Robert Cialdini.
Adicione frases sobre mindset, superação de medos ou obstáculos e, em seguida, fale sobre o cronograma exterminador de procrastinação que te ajudou a ler 200 páginas por dia.
E não se esqueça da falsa humildade.
Algo como: “HOJE ACONTECEU ALGO TERRÍVEL. Recebi uma ligação do gerente do meu banco dizendo que agora estava errado na minha conta… os números não batiam com as transações comuns… estavam altos demais… eu fiquei nervoso.. como assim? “Altos demais”?… então descobrir que o meu lançamento está indo tão bem que o banco achou que era alguma fraude… ele nunca tinha visto na minha conta cair tanto dinheiro em tão pouco tempo… etc”. Segue-se um pitch para vender o seu método.
É teatro social.
Eu argumento que a maioria das pessoas não pretende ser idiota ou sem graça dessa forma. Em vez disso, eles confundem essas poses com o trabalho. Eles caem em um estratagema de “agitação”.
O principal estratagema é encontrar as “lições” em um livro ou evento ou notícia ou filme ou qualquer coisa. Ou escolher citações que se encaixem em uma narrativa da Hustle Culture. Mais uma vez, essa narrativa envolve temas de crescimento, superação de obstáculos, enriquecimento ou qualquer coisa que pinte uma utopia pessoal e profissional.
O problema é que muitos fãs da Hustle Culture usam esse estilo de leitura para ler qualquer livro. Assim eles transformam um grande livro em um livro pop, que pode ser substituído por um TedTalks ou por uma boa leitura de inspeção sem nenhum risco. É o mesmo que pegar o valor nutricional de um bife e transformá-lo em um Trident . Essa crença cega proporciona uma falsa sensação de conhecimento e experiência que custa muito caro para eles.
Vejamos como as lições da Hustle Culture tornam os grandes livros prateleiras de conteúdo para você entender do que eles acham que é “trabalho” quando pegam um material.
Considere essas duas citações de uma das maiores obras de não-ficção já escritas, The Power Broker, de Robert Caro:
“O homem que faz as coisas uma vez pode fazer as coisas de novo.”
E…
“A mente era brilhante, mas mesmo uma mente brilhante só é boa quando o material a alimenta.”
A primeira citação pode se transformar em um conteúdo de realização ou sucesso. Ou alguma forma de combater “os haters”.
A segunda citação pode estar ligada a: você é a soma das 5 pessoas mais próximas. Ou os líderes são leitores. Ou não há nada pior do que a má informação para quem é inteligente. Ou um slogan para uma campanha de jornal.
Mas por mais duras que sejam essas citações e por mais concisas que sejam as teses, elas são retiradas do contexto. Elas são despojados do argumento mais profundo e das lições mais profundas que residem no trabalho de Caro.
Ler um livro como The Power Broker para caçar lições de motivação faz com que você não possua o livro (daí as pessoas reclamarem que não lembram do que leem). E isso não se deve ao fato de o livro ser muito difícil. É uma leitura fácil. Caro é um dos maiores escritores de todos os tempos. O livro está repleto de lições. Mas alguém que busca lições de mentalidade como um porco farejando trufas perde tudo, inclusive as trufas.
Não é mistério que elas estejam sempre cansadas, imagina como deve ser ir para as festas, museus e encontros com um objetivo em mente para “tirar o melhor do seu tempo”.
Ao fazerem cada segundo vivo algo “útil” para o seu progresso na carreira ou na vida pessoal, eles precisam otimizar cada aspecto da vida para que isso tudo dê certo. “O melhor jeito de dormir”, “o melhor jeito de acordar”, “o melhor jeito de tomar água” etc. Por isso existe uma obsessão física pelo próprio corpo e maneiras de “transcender” biologia com suplementos e biohacking.
Jonathan Crary em 24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono acha que a presença constante de estímulos tende a impedir o descanso total. Estamos apenas em “modo soneca”, mas não desligados. O indivíduo está em “modo de economia de energia, à disposição, “de maneira que nada está de fato ‘desligado’ e nunca há um estado real de repouso” .
Trazendo à tona projetos científicos, tecnológicos e laboratoriais cujo objetivo consiste em reduzir ou eliminar o sono, Crary mostra que nesse desprezo pelo sono se esconde um fetiche por conceitos e valores como produtividade, racionalidade, consciência, vontade, objetividade, ação, desempenho. Nem o sono escapou da otimização. O sono é um defeito. Não há mais espaço para sonhar e perder tempo. Acho que vem daí uma parte da impaciência com obras, filmes ou textos, que não digamo logo “a que vieram”, o que significam.
Por isso, é também uma “sociedade do doping ”. Sem tempo, ele não quer buscar na dieta ou até na sua visão de mundo torta a causa do seu problema, porque isso leva tempo e exige humildade. Ele quer a droga. O suplemento. A cirurgia. A substância alquímica para manter a máquina girando sem as inconveniências da vida.
A princípio, isso parece ótimo. Não é como se não houvesse ou você não deve tentar melhor aspectos da sua vida que são importantes para você, é que a otimização pela otimização matematiza a vida. E a matemática mata o tesão (sabe, as mulheres não têm muitas fantasias sexuais com uniformes de contadores). Você esquece que o método existe para o homem, não o homem para o método.
Por que estou enfatizando tanto isso? Porque cada época tem a sua doença e essa é a nossa: a da performance.
Cada época tem as suas doenças
No século XIV foi a Peste Negra. No século XIX foi a Gripe Espanhola. Nos anos 80 era a AIDS. Qual é a doença da nossa época?
Você deve ter pensando aí em diabetes, ataque cardíaco, hipertensão ou qualquer outra doença biológica. Mas o que há de familiar em boa parte dessas doenças é a sua causa: o estresse.
O estresse, como diz o criador do termo, Hans Selye, é uma “incapacidade de atender as demandas de uma situação”. Isso não é sempre ruim. Quando você vai à academia pela primeira vez, você entende bem o estresse de não conseguir levantar os pesos e ainda por cima sentir a dor da sua ousadia por semanas.
Há também o estresse do trânsito ou da poluição ou da briga de casal. Não é bem o estresse que te mata, mas a sua reação a ele. Essa reação é determinada pela saúde geral do seu corpo e pela sua atitude. A performance é uma atitude de se colocar sob estresse 24h por dia como prova de que você está vivo e não é bunda-mole:
você só precisa vencer você mesmo
Você é seu único inimigo ou você é o único culpado pela sua situação. É uma atitude “útil”, mas não verdadeira. Útil porque pensar assim te ajuda a reclamar menos e aceitar que você pode mudar certas coisas na sua vida mesmo (mesmo quando a culpa não é sua). Só que não é assim que eles colocam.
Veja no filme O Cisne Negro como o diretor diz para a protagonista que “ela é o único obstáculo para si mesma”. No final, ela acaba enlouquecendo e morre. O caminho para a autossuperação é o mesmo caminho para a autodestruição. Concorrendo contra si mesmo, é incapaz de chegar à conclusão. A sua vitória seria a sua própria morte. Acreditar em vencer a si mesmo como um meio de obter liberdade é ilusão. Como odiar a si mesmo poderia trazer qualquer vantagem?
Se uma sociedade que restringe a liberdade produz loucos, uma sociedade que estimula o desempenho produz fracassados e depressivos. Um meio como o dos empresários digitais em que as palavras-chave são “projeto”, “motivação”, “iniciativa”, “eficiência” não tem espaço para descanso. O tom é o da hiperatividade. Todos nós somos obrigados a nos mover o tempo todo.
Esse sentimento de “dar cada vez mais de si mesmo” faz com que o sujeito nunca descanse. Quando descansa, por ter chegado à exaustão, se sente culpado. Sofre um colapso psíquico, o burnout (esgotamento). O empresário brasileiro do mercado digital tem uma fixação doentia com a morte e a guerra.
Como seu inimigo é você mesmo, o tempo do trabalho é total. A presença da pessoa que precisa ser derrotada é integral. É você. Não há diferença entre trabalho e descanso. O descanso é só uma pausa para voltar a eterna batalha psicológica.
Em um meio que produz perdedores em série, o marqueteiro depressivo é o sujeito que “está cansado, esgotado de si mesmo, de lutar consigo mesmo. […] Desgasta-se correndo numa roda de hamster que gira cada vez mais rápida ao redor de si mesma”, como diz Byung-Chul Han .
O seu trabalho não é mais livre, não é mais independente e não é mais inteligente. Ele está cansado de derrotar a si mesmo e não pode ser outra pessoa. Então o que fazer?
Ócio Criativo: Como ser Inútil
“A indústria publicitária nos leva a acreditar que a vida melhorará com a compra de um produto. A compra de um produto requer dinheiro. O dinheiro exige trabalho duro. Ou dívida. Contraímos dívidas para perseguir nossos desejos e depois continuamos trabalhando para pagar a dívida.”
Tom Hodgkinson em How to be Idle
Em Para uma abordagem da fadiga, Peter Handke defende que o “tédio profundo” ou o “cansaço fundamental” desapareceram da nossa sociedade. É muito difícil não fazer “nada” de propósito. Eles servem mais para nos dizer do que devemos abrir mão do que para pensarmos no que devemos fazer. Eles “habilitam o homem para uma serenidade e abandono especial, para um não fazer sereno” .
Embora Paul Lafargue, sobrinho de Marx, tenha defendido a todos um Direito à Preguiça, não é bem a preguiça que estou propondo aqui. A vagabundagem crônica e sem propósito é tão ruim quanto o trabalho duro. Também não é essa a ideia do Ócio Criativo, criada pelo sociólogo italiano Domenico de Masi.
No livro ele opõe abertamente Ócio Criativo a Ócio Alienante. Esse último é o dolce far niente, um fazer nada, largado na calçada como um mendigo. O ócio criativo é um jeito de descansar num projeto seu cujos resultados podem ou não podem vir. É um projeto que você adota porque ama o processo. Os escritores ficam bravos quando você diz para eles usarem o Chat GPT para escrever por eles porque eles gostam do PROCESSO de pensar e escrever, não apenas de ter letras no papel. Ter um projeto é fundamental para entender o que é um trabalho livre, independente e inteligente.
Essa proposta segue de perto as ideias do Tom Hodgkinson em How to be Idle, um livro que te faz curtir até ficar doente e odiar relógios. É um livro maravilhoso porque descreve cada hora do dia de uma pessoa “inativa” (uma tradução de idle). Para o horror dos empresários de si mesmos.
O que eu aprendi lendo esse livro é que quanto menos eu trabalho no sentido de agitação que vimos aqui, mais produtivo eu me torno. Todo esse tempo de “ócio criativo” gera ideias melhores porque eu vou aonde elas podem me encontrar: no mundo, não no Instagram. “Quando você abraça sua própria ociosidade, você começa a descobrir o que realmente deseja fazer. E você começa a viver”. Isso só acontece porque você pode deixar com que a realidade fale com você em vez de estrangular a maldita para dar as respostas que você quer na violência.
Outra consequência de abraçar a própria ociosidade é que você pode começar a desejar menos e melhor. É um jeito de ganhar mais dinheiro sem trabalhar mais. Pois há duas formas de ficar rico: ganhando mais ou querendo menos. É comum querermos mais, já que ambição é um valor positivo nesse meio, mas poucos pensam em querer melhor. Você não quer uma Ferrari, você quer ser respeitado por estranhos. Há formas mais baratas de conseguir isso.
Uma solução em fase de testes para o futuro do seu trabalho
Como neto de colhedora de tomate e filho de tecelã, não posso dar uma solução de luxo (minha mãe foi a primeira dos seus 8 irmãos a fazer faculdade e depois dos 30 anos). Para os herdeiros e aqueles que puderam escolher quando começariam a trabalhar, a solução serve, mas não pensei em vocês. Pensei naqueles que querem ganhar dinheiro, ganham algum dinheiro, mas são pobres hereditários. Mesmo com dinheiro, sentem que não merecem o descanso. O seu dia começou com o primeiro sino da Revolução Industrial e continua até hoje com o alarme do celular para cada tarefa, sem parar lembrando que é hora de dar duro. Nosso maior medo é a irresponsabilidade. Não a pobreza.
Assim eu vou contra livros como o How to do Nothing da Jenny Odell, um New Yorker best-seller inteligente e correto em vários argumentos, mas escrito por uma privilegiada confessa e sustentada por bolsas universitárias refletindo sobre o peso do trabalho.
O que mais me chamou a atenção no livro de Odell é a insistência de que sem uma visão do tempo de ruptura, da mortalidade, do fim, qualquer trabalho parece pequeno. Ela aproveita a oportunidade para situar a emergência climática numa discussão sobre as formas como os antigos gregos distinguiam o tempo: Chronos – o tempo como uma espécie de progressão linear e contínua – e Kairos – uma “crise” ou ruptura no tempo. Todos vivemos num tempo linear, mas experimentamos lembretes — inundações e fome — da crise perpétua em que nos encontramos.
É a abordagem da mortalidade que separa o trabalho de Odell de, digamos, Quatro Mil Semanas de Oliver Burkeman – um título que faz referência à expectativa média de vida humana. Odell, uma ateia, está preocupada com os danos climáticos; Burkeman, pelo menos culturalmente judeu, está preocupado em tentar levar uma vida equilibrada e moderada no tempo que lhe é concedido pela comunidade científica.
Foi esta última visão que sempre me atraiu antes de eu levar a sério a vida depois da morte. A Terra pode acabar, mas para aqueles de nós que foram criados com qualquer cosmovisão religiosa e que agora lutam para constituir uma família, tudo está sempre acabando. Nós queremos é apertar contra o peito as pesssoas importam para nós tanto no presente quanto na eternidade. Como canta o Father John Misty em “Holy Shit”, “Pegada de carbono, incesto… câncer do planeta, doce vingança… mas o que não consigo ver é o que isso tem a ver com você e eu”.
O trabalho como oferta
Há poucas coisas piores do que não ter o nosso trabalho valorizado. Essa não é uma frescura millennial. Começa nas primeiras páginas da Bíblia, quando os irmãos Caim e Abel desejam oferecer o seu trabalho a Deus.
Você conhece a história. Caim era fazendeiro. Abel era pastor. Ambos ofereceram sacrifícios de seus trabalhos a Deus: Caim com algumas de suas colheitas; Abel com os “melhores cortes” dos primogênitos de seus cordeiros). Deus preferiu a oferta carnívora de Abel — como já li em alguns argumentos contra o vegetarianismo. Caim na sua humilhação mata Abel.
Mas quem não ficaria arrasado quando seu trabalho não é considerado aceitável, mesmo pelos padrões humanos? E ver o trabalho de outra pessoa mais valorizado do que o nosso, especialmente quando é da nossa área e achamos que merecíamos mais, machuca.
Claro que existem razões teológicas complexas pelas quais Deus pode ter preferido a oferta de Abel (a de que Abel foi um sacrifício de sangue, a de Caim não; ou a motivação de Abel era pura e a de Caim não) - mas todas elas as questões mais profundas que não vêm ao caso agora.
Quero apenas chamar a atenção para o fato de que existe uma história bíblica antiga de seres humanos profundamente preocupados em oferecer o seu trabalho e sentir que ele é valorizado — e não apenas sentir em reais brasileiros.
O trabalho tem pelo menos três dimensões e eu gostaria que você considerasse cada uma delas na sua vida a partir de agora. Eu aprendi isso com o Luke Burgis no livro Wanting. Lá pela metade do livro ele conta uma história que me ajudou a trabalhar melhor. Vou colocá-la aqui:
Um dos momentos mais formativos na minha compreensão do trabalho ocorreu quando entrei no escritório do meu advogado corporativo em Las Vegas. Notei imediatamente fotos de seus filhos coladas nas laterais da enorme tela de seu computador – a tela na qual ele passava o dia todo delineando resumos e vasculhando documentos jurídicos complexos.
“Essa é uma ótima maneira de exibir as fotos de sua família!” Eu disse.
"Obrigado. Isso torna meu trabalho melhor.”
"O que você quer dizer?" Perguntei.
Ele me contou que a cada início de hora tocava um alarme em seu telefone que o lembrava de parar tudo o que estava fazendo e pensar em um de seus filhos. Nesse ponto, ele fez um ato intencional de oferecer a próxima hora de seu trabalho como sacrifício e presente para aquela criança. Pensar no seu trabalho dessa forma, ele me disse, o ajudou a fazer o trabalho com mais excelência e com mais amor.
Ele pensava em cada hora de trabalho como um presente literal que estava dando ao filho – e certamente não gostaria de dar-lhe um produto de má qualidade. Esperançosamente, disse ele, o amor que ele colocou nisso seria aparente para todos para quem ele enviou um e-mail ou com quem interagiu no decorrer da hora. Foi uma espécie de oração “ativa”.
Ao terminar a hora de trabalho dedicada a um de seus filhos, faria o mesmo na hora seguinte com outro filho. E depois de terminar três horas de trabalho (tinha três filhos na época), dedicava cada hora do resto do dia a algo ou alguém, seguindo o mesmo método.
“Na semana passada, você era realmente um deles”, ele me disse. "Lembra quando enviei aquela mensagem avisando que estava pensando em você e perguntando se você precisava de alguma coisa?"
"Sim."
“Foi aí que sua hora começou.”
A revelação do meu advogado explodiu completamente o meu pequeno mundo de trabalho independente, que eu tinha medido através de métricas completamente objetivas: o número de produtos que produzi, o dinheiro que ganhei, os empregos que criei.
Acontece que eu estava completamente preso apenas na dimensão objetiva do trabalho – simplesmente não conseguia ver além dele.
Assim como ele, o meu mundinho rachou e vazou pelas frestas uma luz que eu ainda não tinha considerado. Depois disso, por anos, antes de comprar meu Mac, eu colei fotos da minha esposa no meu notebook para me ajudar a oferecer o meu melhor quando eu estava desmotivado. Assim o seu trabalho ganha uma dimensão superior. Vamos falar das três dimensões do trabalho.
Tive preguiça de tirar o pó
As 3 dimensões do trabalho
Para ilustrar isso vou usar o exemplo da profissão que para mim está mais próxima da escrita: o cozinheiro.
A dimensão objetiva
A coisa ou serviço objetivo que o trabalho traz para o mundo. No caso do cozinheiro é a comida que ele produz.Não existe cozinheiro até que ele mostre o que ele cozinha. Tudo aquilo que você pensou em cozinhar não te torna cozinheiro. Não dá para mastigar aspirações. Para você, pode ser o produto que você vende ou o serviço que você presta. Para um copywriter, serão os textos. É essencialmente o “o que” você faz, materialmente falando.
(Aqui você percebe como no marketing se ignora essa dimensão material e objetiva do trabalho em favor do aspecto subjetivo dele. Os copywriters “vendem” resultado sem dominar o material que permite esse resultado. É como se os cozinheiros vendessem “prazer gastronômico” num prato vazio).
A dimensão subjetiva
Aqui há dois lados.
Do lado do sujeito, a dimensão subjetiva do trabalho é o que o trabalho faz à pessoa que o realiza. Ser cozinheiro, por exemplo, exige desenvolver certos músculos nos braços, saber dividir tarefas, trabalhar em equipe muitas vezes e pode contribuir para a formação de certas virtudes humanas, como a paciência e atenção aos detalhes. A questão aqui é que o trabalho esculpe a pessoa de certas maneiras pelo ato mesmo de se envolver no trabalho, e diferentes tipos de trabalho formam as pessoas de maneiras diferentes. Descobrir o tipo de pessoa que esse trabalho produz é fundamental.
Penso nas dimensões objetiva e subjetiva do trabalho como o plano horizontal do trabalho.
Do outro lado, existe a percepção subjetiva da pessoa que recebe e consome esse produto ou serviço. É o famoso “valor percebido”. Essa dimensão impacta diretamente no seu trabalho porque é o que as pessoas pensam que você faz e determina quanto elas estão dispostas a pagar por isso. É onde mora o prestígio das profissões.
É a dimensão preferida dos marqueteiros porque o nosso trabalho é muitas vezes usar essa percepção a nosso favor ou alterá-la se for o caso. Por exemplo, se você vender suco de uva como se fosse vinho, você canaliza as percepções de valor para o suco de uva, cobrando 10 vezes mais do que poderia numa garrafa de plástico. A dimensão objetiva é a mesma (o suco), mas a embalagem é uma mais valorizada, feita para alterar a sua percepção subjetiva:
Aqui você deve entender bem quais são as percepções subjetivas que as pessoas têm em relação ao seu trabalho e aceitá-las e ressignificá-las — ou mudar de profissão se for o caso.
A dimensão transcendente
A dimensão transcendente do trabalho é o impacto do trabalho para além do próprio trabalho e para além de quem compra e de quem vende. É o que o trabalho faz, em última análise, desenvolver relações humanas para além do que pode ser visível e para além do que é mensurável num primeiro momento. A pergunta é: o que meu trabalho tem feito as pessoas desejarem?
O caso do advogado ali em cima oferecendo cada hora do seu dia como um ato de amor por seus filhos e outras pessoas é apenas um exemplo: eles podem nem saber que ele estava fazendo isso, mas seu trabalho foi transformado para ele e para as pessoas com quem interagia. Ele tinha um porquê diferente.
Mas não se trata apenas de um “porquê” – há uma dimensão transcendente em tudo, se olharmos da maneira certa.
Pense no trabalho de um pedreiro que é chamado a um local de trabalho para concluir um trabalho específico (como construir a parede de um cômodo), e que não consegue, naquele momento, compreender como seu trabalho contribuirá para a forma do todo: o edifício acabado. Ele pode nunca ter visto o projeto. A empreiteira pode ter feito isso apenas com o propósito de fazer um dinheirão. Ele não é capaz de ver como seu trabalho acabará por transcender o trabalho que ele está fazendo, mas mesmo assim o faz. E só então, com a conclusão da casa, é que a casa se torna um lar onde alguém pode viver. A casa é algo que vai além das dimensões objetivas e subjetivas do trabalho individual do pedreiro ou da empreiteira.
Porque fazer da melhor maneira possível vai garantir que uma família que more ali não tenha discussões por causa de uma parede mal feita. A esposa culpa o marido por economizar e o marido culpa a esposa por não saber economizar. O pequeno trabalho do pedreiro pode poupar ao menos isso.
O todo se torna maior que a soma das partes.
Penso nesta dimensão transcendente do trabalho como um eixo vertical – é a dimensão do trabalho que nos encoraja a olhar sempre acima e além da visão do dia a dia.
A importância dessa última dimensão é que ela te ajuda a rever os sucessos e fracassos de uma forma diferente.
Digamos que você queira agora mudar de profissão.
Se o objetivo da dimensão do trabalho fosse a única que importasse, isso significaria que você jogou dois anos da sua vida fora. Você aprendeu objetivamente habilidades que não servirão para mais nada.
Mas uma vez que leva em conta a dimensão subjetiva desse mesmo trabalho, você pode avaliar quanta coisa você teve que aprender com outras pessoas e a justificar seu trabalho para outras pessoas de uma forma que vai te ajudar em todos os outros empregos que tiver.
O mesmo se aplica à dimensão transcendente: embora você não tenha feito nada remotamente parecido com qualquer intenção que transcendesse o próprio mercado, você talvez tenha feito belas amizades ou talvez tenha aprendido a desejar certas coisas ou ensinado outras pessoas a desejarem coisas melhores.
Até nos meus piores empregos, hoje, em retrospecto, eu reconheço que poderia ter aprendido mais e sido mais se eu tivesse essa dimensão no meu trabalho.
Encorajo você a abraçar todas as três dimensões – a objetiva, a subjetiva e a transcendente. O trabalho com altura, peso, profundidade.
Se você está enfrentando dificuldades em seu trabalho atual ou avaliando um novo, pegue um pedaço de papel e divida-o em três colunas com cada uma dessas dimensões. Faça uma lista para você mesmo: o que o trabalho realmente é, como ele está moldando você e como está moldando o mundo ou outras pessoas além do trabalho em si. Esta última dimensão é a mais difícil de identificar, não se preocupe.
Ou, se está difícil demais começar com a sua, comece pelas abaixo:
Um escritor
Um empreendedor
Um investidor
Um professor
Um pai
Se você explorar até o fundo, poderá encontrar o calor esquecido do magma.
E se você não consegue identificar uma dimensão objetiva, subjetiva e transcendente para esse trabalho que te deem algum prazer, então você deve arrumar outro. Simples assim.
Saindo do limbo profissional
Se você não tem um trabalho ou está no limbo profissional, nem lá nem cá, entre uma profissão e outra, tente se lembrar do seguinte: qual foi o último sacrifício que você fez? Não confunda algo difícil com algo valioso. Há dores do crescimento e dores do prejuízo. Nem tudo que é difícil é bom. Tente pensar na última vez em que esse sacrifício trouxe algum sentimento de realização pessoal.
Pense em uma época em que você se tornou por alguns momentos essa versão ideal profissional que você imagina. Em que você pensou “É isso! É por aqui!”. Este não precisa ser o momento de sucesso social, como novas ofertas de emprego, promoções ou aumentos. Em vez disso, pode ser uma conversa com um cliente, pode ser um comentário que fizeram num texto seu, um feedback, algo que antes parecia difícil, mas que quando você começou, você se perguntou por que não tinha feito isso antes.
Tente se orientar por uma pergunta como “se ninguém soubesse que você fez isso, você ainda faria?” Se você pudesse alcançar quaisquer objetivos profissionais que estabeleceu para si mesmo, mas não pudesse contar a ninguém que os alcançou, você ainda os desejaria? A pergunta pode ajudar a remover o ruído das opiniões dos outros e centralizar os desejos que são exclusivamente seus, diz Simone Stolzoff no seu The Good Enough Job.
Por apenas um segundo, tente viajar de volta para lá.
Pergunte a si mesmo:
Alguém estava com você?
Como era o espaço? Qual foi a sensação em seu corpo?
Agora, tente dissecar esse momento.
Como isso te impactou?
Quais são os seus desejos mais profundos para a sua carreira, por trás dos elogios superficiais?
Começar com o que você sabe ser verdade a partir de sua experiência passada tende a ser uma bússola mais confiável do que levantar hipóteses sobre o que você poderia querer. Você ficaria surpreso ao ver como seus desejos densos começam a se revelar com essa reflexão.
Você tem todo o tempo do mundo
Todos os livros de desenvolvimento pessoal têm como premissa a ideia de que você vai morrer. Mas nem todos levam a sério isso. Uns porque são ateus e o fim é frio silencioso. Outros porque, mesmo religiosos, veem mais sentido da vida no trabalho do que em qualquer outra atividade.
Os trabalhadores digitais procuram cada vez mais o trabalho como a sua principal fonte de identidade, comunidade e propósito. Se o trabalho como entendem os adultos hoje for essencial para ter uma identidade, o que será das crianças, donas de casa, desempregados, nômades, padres?
Por isso é importante conceber sua carreira como parte, mas não como a totalidade, de quem você é. Assim como um investidor beneficia da diversificação das ações da sua carteira, nós também nos beneficiamos com a diversificação das fontes de identidade e significado nas nossas vidas. Portanto, minha última dica é investir ativamente em outros aspectos de quem você é.
Para ser honesto, não acredito que a diversificação da sua identidade deva ocorrer às custas do seu trabalho (eu não tenho moral para insistir mais nisso porque negligenciei por anos meus trabalhos para desenvolver esses outros aspectos). Você tem responsabilidades como adulto. Mas ao cultivarmos diferentes aspectos de nós mesmos, podemos nos tornar trabalhadores e pessoas mais completas.
Pode parecer óbvio, mas se você quiser obter fontes de identidade e significado fora do trabalho, precisará fazer outras coisas além do seu trabalho. Um dos riscos de uma existência centrada no trabalho é que o nosso trabalho não consome apenas as nossas melhores horas, mas também a nossa melhor energia. Como diz a psicóloga Esther Perel, muitas pessoas trazem o melhor de si para o trabalho e levam o que sobra para casa.
Vejo que no marketing digital existe um medo enorme de ter “comprado o curso errado” ou de ter lido “o livro errado”. Medo de terem perdido tempo, dinheiro e oportunidades. Então, não se comprometem com nada, até que essa coisa certa apareça; e quando se comprometem, não se entregam, porque pode ser furada.
Ainda existe aqueles que morrem de curiosidade para aprenderem outras coisas além do trabalho e se sentem culpados por que esse assunto não vem com uma etiqueta explicando como aquilo deve ser usado para trazer resultados no seu negócio.
Essa indecisão e culpa gera paralisia, que não é aquela da serenidade do sono e das nuvens, mas o do lodo e das águas mortas. É a paralisia do corpo sem vida, o rigor mortis.
O trabalho como devoção
“As pessoas pensam que sou disciplinado. Não é disciplina. É devoção. Há uma grande diferença.” - Luciano Pavarotti
As esse ensaio de volta ao início: estamos cansados porque não fazemos um trabalho humano. Um trabalho livre, independente e inteligente. Por não ter isso não temos tempo nem energia quando chegamos em casa. Pior. Nem saímos de casa. Pulamos da cama para a cadeira e da cadeira para a cama. Achamos um luxo caminhar 40 minutos no parque. Até os bandidos tomam sol.
Mas ainda há tempo. A verdade é que temos todo o tempo do mundo. O tempo que você tem é o tempo que você tem. Não há outro. Mas há uma esperança de ver o trabalho com algum sentido, com algo um pouco (não muito) melhor do que não morrer de fome. Eu e você não estamos morrendo de fome e temos o luxo de pensar nessas coisas. Essa esperança para mim se resume a ver o trabalho como uma obra que continua na eternidade.
O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard dizia que a vida é uma preparação para a eternidade. “Como um professor costuma dizer ao jovem estudante, que até agora acha o tempo de escola muito longo: 'Agora, não fique impaciente, você tem uma vida longa pela frente'”, escreve Kierkegaard em O Evangelho de Sofrimentos, “então a eternidade fala com mais razão ao aluno sofredor: 'Espere, não fique impaciente, há muito tempo, há eternidade'”.
O tempo é um presente dado a você para lhe dar o tempo de que você precisa para ter o melhor momento da sua vida agora. Querer ficar rico, que é uma hipótese, para então, talvez, aproveitar a vida de maneira significativa é a coisa mais estúpida que alguém possa querer. Ou, como Kierkegaard coloca em Concluding Unscientific Postscript: “Ter terminado com a vida antes que a vida tenha terminado com você, é precisamente não ter terminado a tarefa.”
Se para uns o trabalho é o sentido da vida e para outros é um fardo, eu prefiro ver o trabalho como uma devoção.
O devoto sabe que as chatices e os sacrifícios para realizar qualquer coisa fazem parte do trabalho, não por causa de uma punição divina, mas porque é no processo que ele vai encontrar o que precisa para ele se tornar quem precisa ser para a sua família, seus amigos, seus clientes. Ele precisa da dimensão objetiva e subjetiva para encontrar a transcendência.
O trabalho é ao mesmo tempo um fardo e um presente. Ele vê o trabalho como o oleiro vê a argila: um barro frio e rebelde que precisa ser modelado com paciência e cuidado para assumir a forma sólida de uma obra digna de valor.
Mas ao mesmo tempo entende que o que vão colocar no seu vaso pode ser a água fresca da poesia ou o vinho amargo da ambição. Ele não controla o fruto dos seus esforços. Ainda sim, ele continua porque a sua obra se desenrola pela eternidade, não como profissão de IBGE, mas como profissão de fé. Em si mesmo, no próximo e no seu trabalho.
Por ver no trabalho a possibilidade de fazer parte da criação, ele tenta não ser arrogante demais nem se ver como um deus pirata de camelô, mas tenta ser grato por experimentar por algum tempo como é transformar ideias em realidades. Ele tenta não se gabar por obras que não duram um espirro na poeira dos séculos.
O trabalho do devoto é uma oferta diária do seu próprio corpo e espírito que acontece sem a disciplina das rezas e mas na espontaneidade do amor à criação, que inclui sua família, seus alunos e seus clientes.
Para além do cansaço infinito e do tédio infinito, desse modo teremos a Graça infinita.
O tempo passado e o tempo futuro,
O que poderia ter sido e o que foi,
Convergem para um só fim, que é sempre presente.
T.S Eliot, Burnt Norton
Trabalho vem do latim tripalium, um instrumento de tortura.
Uma prova dessa seriedade é que se vemos uma pessoa desempregada ou até com um trabalho “moleza” a julgamos como vagabunda e cidadã de segunda classe. Quase não é gente. É um TikToker.
Há um momento nas obras de Marx, em especial do Grundisse, em que você tem a impressão de que tudo que se movimenta no mundo trabalha e tudo isso é bom porque o prório Marx não deveria se movimentar muito e achava toda essa dinâmica linda.















Quando o texto é tão bom e você não sabe o que comentar, mas xinga internamente o autor pensando "pqp, como alguém escreve algo tão bem assim?", você é considerado um fã, um maluco ou ambos porque todo fã é em algum nível um maluco?
Enfim, espero que o processo para você se tornar um Patrimônio Mundial do Digital esteja já em tramite na UNESCO.
Bom Chênson, como descrever a experiência na leitura desse texto?
Primeiro que fui de zero a cem várias vezes, estas que foram entremeadas por reflexões que esbarraram até em minha infância. Não sei se sabe, mas dentro do que é o estudo da fenomenologia, muito do que fez aqui no texto me recordou da redução fenomenológica em que pegamos um fenômeno e o destrinchamos a fim de compreender o que ele é de verdade.
Recurso este muito utilizado na clínica existencial fenomenológica terapêutica e na Gestalt terapia, ambas abordagens da Psicologia no trato psicoterapêutico e bom, para quê citei isso?
A narrativa foi tão envolvente que ao fazer os exercícios propostos fui do momento de angústia no processo de identificação das dimensões em meu ofício até ao choro catártico ao lembrar de experiências e sensações físicas que mobilizaram emoções no presente ao pensar em momentos de realização pessoal nos comandos em forma de pergunta. Citei a informação acima porque o que senti é que entrei em contato com a verdade/sentido por trás da noção realização no trabalho que eu tinha, o que foi possível pelo dissecar do tema e da sua tão inspiradora e admirável disposição à escrita que amplia a consciência e por consequência aprofunda a compreensão.
Só tenho a lhe agradecer Tchênsôn, what a moment!