Vou enviar aqui esse exercício que eu e meus alunos elegemos no Congresso de Exercícios de Escrita do Mundo® como o melhor exercício para começar a ter uma rotina de escrita.
Pelos resultados que vimos na Oficina de Escrita que divido com o Raul Martins, ele ainda merece esse título. Na minha opinião, é superior ao exercício das “Páginas matinais”.
Por favor, faça-o. É grátis.
É curioso, mas quando falamos de “exercícios de escrita”, o aspirante a escrever olha para eles como os solteiros olham para os filhos dos outros:
deve ser legal, mas agora não.
No fundo é como se ele acreditasse que o exercício é ou inútil ou uma distração para a “verdadeira escrita” que ele pretende desenvolver um dia quando a inspiração bater. Cair. Ou ser entregue pelo Mercado Livre.
A verdade é que a maioria não presta mesmo, porém esse vale a pena fazer.
O exercício do diálogo
Você vai separar 20 minutos por dia para escrever um diálogo entre duas pessoas. Só. Simples? Sim, mas não fácil.
Repito: sua tarefa é escrever com papel e caneta uma cena com dois personagens conversando.
Você não vai nomeá-los ou descrevê-los. Não haverá cenário ou ação, apenas duas pessoas conversando.
O formato deve ser como um diálogo de peça de teatro ou Whatsapp, como você quiser. O meu de hoje foi algo assim:
A: Você está atrasado.
B: Sim, eu sei, eu sei.
A: Acontece. Mas atraso é atraso.
B: Olha, cheguei, não cheguei? Vai se incomodar por causa de 10 minutos?
A: Não é isso. Estou te dando um toque. Se eu não fosse seu amigo, não ia gostar disso. Você pode perder oportunidades por causa de atraso. As pessoas não estão nem aí se você é bom. Profissionalismo básico.
B: Eu sei, eu sei. Olha, me desculpe, ok. Isso não acontecerá novamente. Podemos então continuar com o projeto de onde paramos ontem?
E por aí vai. Não caberia tudo aqui.
Os benefícios desse exercício são inúmeros (mas vou citar só 5):
1. O benefício óbvio é que você vai escrever diálogos muito mais autênticos se fizer isso por 30 dias do que 90% da TV Globo. Escrever bons diálogos é a habilidade número 1 para criar boas histórias. Shakespeare e o cinema inteiro estão aí para provar. Já imaginou o que você pode fazer com isso ao escrever roteiros para YouTube? Até se você for uma pessoa que acredita que o mundo vai acabar em reels, você precisa aprender a escrever roteiros.
2. Você vai aprender a escrever de forma mais “natural”, fluida, porque se um diálogo não flui, é um mau diálogo. Sua copy vai melhorar infinitamente se você é copywriter ou qualquer outra pessoa querendo ganhar atenção e dinheiro na internet com a sua escrita. Por que copy não é uma conversa com a pessoa? Como você espera melhorar isso sem ficar bom em diálogos?
3. O formato deste exercício (um limite de tempo definido, um número definido de personagens, uma formatação fácil ) elimina muitas escolhas que você precisaria fazer antes de começar e que te dariam motivos para procrastinar.
Não é impossível fazer de outra forma, mas recomendo que você se esforce para fazer esse exercício em um horário definido todos os dias. Assim você vai demolir todos os falsos obstáculos que te paralisam antes de começar. Não há nada mais a pensar, só a fazer.
Eu não tenho espaço para explicar aqui, mas é será mais fácil se você conseguir fazê-lo antes dos hábitos que você já tem hoje. Se o seu dia de trabalho começa às 8h, comece às 7h40.
Depois de uma ou duas semanas você será capaz de sentar e entrar imediatamente em uma cena sem olhar para o relógio.
Não importa se a cena é boa ou não, ou se alguma coisa legal acontece. O objetivo é estar presente. Conforme você praticar, você descobrirá que vai tentar incluir diálogos mais irônicos, mais intrigantes, mais engraçados, mais filosóficos, diferentes dos anteriores enfim.
O legal do diálogo é que ao você escrever o primeiro, você vai sentir pular da sua cabeça várias respostas para responder. Nós adoramos uma pergunta curiosa, não é mesmo?
Você vai começar a ousar mais e descobrir seus pontos fracos e pontos fortes, seus interesses e (quem sabe?) seu estilo. Você se sentirá menos intimidado ao começar e verá a escrita como uma apresentação:
O papel é o seu palco, a caneta o seu microfone.
d) Você vai começar a sentir quando está sendo falso porque diálogos falsos são mais fáceis de perceber do que descrições falsas.
Um erro comum de quem escreve na internet é tentar escrever pensando no que uma pessoa mais inteligente diria em vez de dizer o que está pensando, sem tentar impressionar esse público imaginário.
Além disso, ganhando essa naturalidade, você vai notar quando as pessoas estão falando de um jeito artificial com você e descobrir as intenções delas por trás das palavras melosas.
Isso vai ser o seu kit de sobrevivência em festas, masterminds e outros lugares de encheção de saco coletiva. Você vai ler melhor os outros e você vai ler melhor do que os outros.
e) Cada dia é um novo começo. Você não pensa nem no que escreveu ou no que você vai escrever amanhã. Jogue tudo fora. Esquisito, né?
Você vai aprender a se importar menos com “não ter mais criatividade” porque você aprendeu a manifestá-la todos os dias. Quando você estiver sem criatividade, você poderá trabalhar.
As críticas vão pesar menos porque você sabe que amanhã terá uma nova oportunidade de começar. Você começa a ver a escrita como algo que pode ser aprendido e desenvolvido. Você aprende a ter foco.
Você aprende a fazer escolhas criativas no momento em que as falas de um personagem levam naturalmente à resposta do outro e assim por diante.
Seus benefícios se acumulam com o tempo, mas duas semanas é o mínimo para você avaliar se é para você ou não. E honestamente? Eu não consigo pensar em um único motivo para não testar esse exercício pelas próximas duas semanas.
Se você já fez esse exercício, por favor comente aqui para incentivar quem ainda não é esquisito o bastante para testar.
Faço esse exercício no mínimo 3x por semana e já sinto uma diferença absurda na fluidez dos meus textos (principalmente das copies). Se você veio xeretar os comentários e só te faça um empurrãozinho pra começar: sinta-se empurrado!
Quero começar a levar a escrita a sério esse ano. Li há pouco Sobre a Escrita (Stephen King) e, em certo momento, ele pontua justamente isso: o quão difícil é escrever bons diálogos se não há prática.
O exercício vai entrar pra rotina aqui. Obrigada pelo conselho!